domingo, 8 de novembro de 2009

Reflexões sobre “A sociedade de consumo”, de Jean Baudrillard

O aluno Bernardo Augusto Andrade da Costa, do Curso de Relações Públicas da FACHA - Faculdades Integradas Hélio Alonso, produziu um trabalho com base no livro "A Sociedade de Consumo" de Jean Baudrillard.
Suas reflexões são apresentadas a seguir.
Um dos sinais do nosso tempo, o consumismo, atende a uma lógica de mercado do mundo virtual em que vivemos, com todas as fronteiras permeáveis pela tecnologia, onde nem mesmo um regime fechado como o da China consegue impedir os blogueiros do país de se expressarem livremente na internet.
Tanto a troca de informações quanto de produtos ou tendências culturais atingiram o ápice na história da humanidade. Os portugueses das primeiras navegações nunca imaginariam a que estágio chegaria aquela empreitada, que passou penosamente pelo capitalismo selvagem do século XIX, em que crianças eram retiradas à força dos orfanatos para trabalharem nas fábricas inglesas até a morte. Não havia jornada de trabalho, leis trabalhistas ou previdência social. Neste contexto, surgiu o socialismo, para corrigir o nascente capitalismo que se mostrava desumano. Tanto que a previdência social apareceu na Alemanha em 1919, a partir do recado dado pelos russos em outubro de 1917.
“Outros outubros virão / Outras manhãs / Feitas de sol e de luz”, disseram os socialistas utópicos dos anos 70. Milton Nascimento, Fernando Brant e Márcio Borges sintetizaram bem nesta canção (O que foi feito devera) o sentimento daquela geração em relação à influência norte-americana em nossa cultura, que, na mesma época, se mostrou tragicamente sob a forma da Operação Condor, fábricas de ditaduras militares em série na América Latina. Cabe lembrar a figura histórica do agente da CIA Michael Santore,também conhecido como Dan Mitrione, professor de tortura que peregrinou por todos os países latinos nos anos 60 e 70 formando assassinos, entre os quais o delegado Sérgio Paranhos Fleury, até ser morto pelos Tupamaros, guerrilha urbana uruguaia. O episódio é narrado magistralmente no filme “Estado de Sítio”, do diretor Constantin Costa-Gravas.
A juventude utópica dos anos 60 e 70 também não poderia imaginar o estágio em que chegaria o sistema que outrora combateu. Não se lhes passaria pela cabeça que um dia pudessem obter gratuitamente O Capital de Marx em segundos e lê-lo em um aparelho eletrônico que pode armazenar milhares de exemplares. Este é sem dúvida um avanço. Se há dois séculos “o socialismo surgiu para humanizar o capitalismo selvagem”, como disse o poeta Ferreira Gullar em entrevista ao jornalista Roberto D’Avila, que foi ao ar no último domingo (25), a internet aparece hoje como agente democratizador e humanitário dentro do sistema em que surgiu o do qual se nutre, o neoliberalismo.
O nome muda com o tempo: grandes navegações, colonialismo, imperialismo, capitalismo e suas variantes: do selvagem ao neoliberal; mas a ideologia é a mesma, forjada no lucro. A escravidão, a exploração do homem pelo homem, são marcas deste modelo que persiste hoje sob a forma do consumismo, alimentado pelas transformações tecnológicas, pela proliferação dos gadgets.
Esta dependência consumista, torpor influenciado pela tecnologia e os meios de comunicação de massa, é sintetizada pelo estar na moda, uma forma de reciclagem cultural permanente de um individuo ou sociedade, baseado na globalização e eliminação das fronteiras culturais, como assinalado por Jean Baudrillard em “A sociedade do consumo”.
Um estilo de vida a cada estação do ano. Os padrões de comportamento mudam, por exemplo, quando os integrantes do programa “Pânico na TV” lançam a dança do caranguejo, ou quando o Alexandre Pato faz o símbolo do coraçãozinho na comemoração de um gol. Todos repetem gestos e tendências expressos por celebridades, aqueles que têm vitrine nos meios de comunicação de massa, principalmente na televisão. Este talvez seja o caráter escravizador do estágio atual em que se encontra o capitalismo, embora as pessoas não se dêem conta disso.
O problema é quando a ideologia da moda e os padrões de estética e beleza impostos pela mídia escrita, televisiva e falada, são transportados para o mercado de trabalho, por exemplo. E o que vemos é uma juvenilização em cada ramo profissional que muitas das vezes se mostra perigosa. Jovens juízes sem memória histórica, que não conhecem a Constituição de 88 e o quanto foi caro conquistá-la, uma das maiores vitórias do povo brasileiro, têm cometido erros gravíssimos em todas as instâncias do judiciário nacional. No jornalismo, a juvenilização das redações têm sido implacável, ocasionando queda de qualidade de um serviço extremamente importante para a democracia e a liberdade de nosso povo, haja vista o que vem ocorrendo com o Jornal do Brasil.
Não significa que o jovem não é capaz, muito pelo contrário, mas o ideal é que as experiências e média de idade dos funcionários de qualquer empresa sejam mesclados de forma eqüitativa. O problema é a juvenilização desenfreada, generalizada, resultado do achatamento dos salários, sina do sistema que progride em razão geométrica.
Se aplicarmos a lógica consumista à arte, teremos uma manobra orquestrada no sentido de empobrecimento do produto intelectual do artista, que passa a ser fabricado em série. O talento e criatividade não mais significam, e sim que tipo de gente aprecia determinada tendência artística que está sendo cultuada, ou melhor, consumida no momento. Trata-se da cultura consumida como um simples objeto que traz ao consumidor prestígio ou ascensão social, como assinalado por Baudrillard, na obra supracitada.
Os conteúdos veiculados por artistas fabricados em série como Ivete Sangalo e suas variantes, nas oficinas e conglomerados fabris dos meios de comunicação de massa, principalmente os estúdios de televisão, visam ao entorpecimento crítico e reflexivo do receptor, estratégia para que continuem consumindo qualquer lixo cultural que lhes é imposto sem qualquer tipo de questionamento. “Compre Batom, compre batom, compre batom...” A arte de qualidade, pelo contrário, é contestadora e subversiva, como o já citado filme de Costa-Gravas.
Este estágio de torpor crítico e refletivo também é muito provocado pela publicidade. O que seria do fascismo ou do nazismo sem a propaganda de convencimento das massas veiculadas pelo rádio e pelo cinema? Adquira tal produto que serás aceito, terá destaque, todas as mulheres lhe desejarão. Aceite tal idéia pois é a melhor e todos os outros já a aceitaram, não fique de fora, somos uma raça superior mesmo; foi assim que foi possível o Holocausto, maior crime da história da humanidade e que expôs o caráter bestial da raça humana, evento que deve ser lembrado e trazido à discussão agora em que se completam 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial. Mas que, espantosamente, não foi levantado por nenhum jornal ou meio de comunicação. Por que será? Aqui, cabe uma ressalva para a série de quatro programas especiais do Observatório da Imprensa, comandado pelo jornalista Alberto Dines e que vai ao ar às terças-feiras pela TV Brasil, sobre aquela triste efeméride.
Em relação à ação orquestrada dos meios de comunicação para reduzir a capacidade crítica e reflexiva do receptor, será de grande valia lembrarmos o autor Ivo Luchessi. O teórico afirma, no ensaio “A cultura do olhar”, que “o universo midiático é uma grade tentacular usada pelo sistema, visando ao seu próprio benefício”. Dessa forma, os conteúdos são veiculados de maneira a fazer prevalecer os interesses das grandes empresas capitalistas, já que estas patrocinam os meios de comunicação, através da compra dos espaços comerciais, ou “reclames do plin-plin”, como diz o Faustão. Para tanto, é necessário investir na educação do “olhar ingênuo”, contemplativo e divagante, em detrimento de uma leitura prospectiva do que está sendo mostrado, com apreensão crítica e questionadora por parte do espectador, o que configura o “olhar perverso”, inquieto e angustiado. Ivo Luchessi destaca três mecanismos utilizados pela mídia eletrônica para anestesiar criticamente o telespectador: a superposição das imagens-informação; a justaposição de conteúdos desconexos e a interrupção do envolvimento subjetivo, em favor dos comerciais.
Aliados à tecnologia, os conteúdos veiculados pelo sistema midiático em sua programação perniciosa, visam apenas ao prazer imediato, sem nenhuma exigência reflexiva por parte do receptor, que, seduzido, se entrega à satisfação e ao deleite do entretenimento, sem fazer nenhum esforço em pensar e, conseqüentemente, não absorvendo nada. Dessa forma, a mídia contribui para o culto ao prazer, onde todos o procuram incessantemente, sem se darem conta que é justamente no enfrentamento das experiências de dor e sofrimento que o “ser” se fortalece e a subjetividade vai se fundamentando.
Dessa forma, as pessoas são empurradas programaticamente para o consumismo, numa tentativa de auto-satisfação através do “objeto”. As relações entre seres humanos ficam restritas à aparência, os indivíduos passam a valer o que possuem, o que ostentam e, diante de qualquer situação desagradável, qualquer incômodo, procuram a cura através de um “banho de loja”.