terça-feira, 8 de novembro de 2011

Mau Cheiro

Por Ricardo Noblat, O Globo, 07/11/2011

Somente os muito ingênuos acreditam que os partidos brigam por cargos interessados em ajudar o governo a fazer o bem do país – e nada mais.




Nunca foi assim. E pelo jeito jamais será.



Os partidos ambicionam cargos para roubar. O dinheiro enche os bolsos dos seus dirigentes e financia campanhas que custam cada vez mais caro. É simples assim.



Surpreso? Não brinque.



Candidato rico pode até gastar parte do seu dinheiro para se eleger. São raros.



O senador Blairo Maggi (PR-MT) talvez seja um deles. Sua fortuna cresceu 356% entre 2006 e 2010 quando governou Mato Grosso pela segunda vez consecutiva. É o rei da soja. E a soja, sabe como é...



De remediado para baixo, candidato usa o dinheiro dos outros para se eleger. E fica devendo favores que depois tenta pagar no exercício do mandato.



Emplacar um protegido em cargo de relevo é meio caminho andado para pagar o que deve e sair com lucro. Perguntem ao experiente senador José Sarney se não é...



Há uma secretária de empresa estatal da área de energia que só faz uma coisa durante o expediente: cuidar dos interesses do senador. Ora ela atende o próprio, ora algum dos filhos dele.



Antes que passe pela cabecinha de Sarney a ideia de me processar, adianto logo: tudo o que ele faz, tudo mesmo, é legal. Fui claro? Fui convincente?



Estamos conversados. Adiante.



O PT só chegou ao poder que de fato importa quando resolveu se comportar como os demais partidos. Lula cansara de perder. Então arquivou a vergonha.



Certo dia, entre 1998 e 2002, chamou José Dirceu e disse mais ou menos isto: “Só serei candidato pela quarta vez se for para ganhar. E para ganhar vale tudo”.



Valeu, por exemplo, comprar o passe do Partido Liberal (PL) de Valdemar Costa Neto por pouco mais de R$ 6 milhões. Lula assistiu à compra sentado num terraço de apartamento, em Brasília.



Parte do dinheiro para a compra foi doada pelo seu então candidato a vice, José Alencar. O apoio do PL resultou em mais tempo de televisão e de rádio para Lula. Apoio de partido vale por isso.



No primeiro mandato, Lula recusou-se a pagar o preço pedido pelo PMDB para apoiá-lo. O PMDB queria cargos, muitos cargos. E autonomia para tirar proveito deles.



Contrariando José Dirceu, Lula imaginou que poderia governar comprando apoios a cada votação importante no Congresso. O mensalão derivou disso. E deu no que deu.



O loteamento do governo consumou-se no segundo mandato. E foi responsável pela montagem da coligação de 11 partidos que apoiou Lula e que depois apoiaria Dilma.



Pergunte a qualquer ex-presidente da República se os partidos que governaram junto com ele não se aproveitaram de cargos para roubar. Pensando melhor, não pergunte.



Todos negarão que isso tenha ocorrido. Há assuntos sobre as quais não se fala.



Na vida real, os governantes admitem certa margem de roubo. Caso o roubo vire um escândalo e o ameace, ele é obrigado a limpar a área. Os partidos e eventuais ocupantes de cargos públicos concordam que ele proceda assim. Desde que ninguém vá preso.



No programa “Zorra Total” da Rede Globo de Televisão, no último sábado, ouvi o comentário de um personagem cínico e ao mesmo tempo engraçado: “Voltar? Dinheiro de corrupção? Não volta. Volta vestido tubinho. Volta pantalona. Mas dinheiro de corrupção não volta”.



Bingo! É da regra do jogo. Sem prisão – salvo se temporária e curta. Sem devolução.



A verdade é relativa em países considerados livres. Em países dotados de regimes autoritários, existem verdades absolutas.



Posso dizer, por exemplo, que Dilma tem-se mostrado mais intolerante do que Lula com a corrupção. Ou posso dizer que Dilma não tem o cacife que Lula tinha para tolerar a corrupção. Assim será se lhe parecer.



Uma vez denunciados pela imprensa, Dilma livrou-se no curto período de 11 meses de governo de cinco ministros suspeitos de envolvimento com irregularidades. Tem um sexto aí na bica.



Em qualquer outro lugar já se teria dito com todas as letras e a ênfase necessária que o governo apodreceu. Sim senhor, apodreceu. Está dito.

O Respeitável Público

Por Merval Pereira - O Globo, 08 de novembro de 2011



Pode-se medir o grau de desenvolvimento de uma sociedade pela maneira como seus líderes políticos são tratados quando caem doentes? O debate suscitado pelo tratamento de câncer do ex-presidente Lula no Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, provocou reações extremadas, especialmente quando se discute o fato de ele não ter procurado um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS) para se tratar.



É evidente que entre os que defendem essa postura nos meios de relacionamento social e na internet há os que o fazem desejando o mal ao ex-presidente, o que por si só denuncia que nosso sistema de saúde pública é considerado precário pelos que assim agem, mas também pelos que protestam contra a campanha, considerando-a uma "baixaria", sintoma de preconceitos não superados.



Mas não é possível esconder o fato de que Lula sempre se utilizou politicamente da saúde pública, bravateando que ela estava "próxima da perfeição".



Ou, ao inaugurar uma UPA em Recife, dizer que as instalações eram tão boas que dava até vontade de ficar doente para utilizá-las.



Quis o destino que naquele mesmo dia o então presidente Lula caísse doente, vítima de uma hipertensão, e fosse atendido no melhor hospital privado de Recife.



O ex-presidente tem todo o direito de ter o melhor tratamento que seu dinheiro possa pagar, mas não pode tentar convencer o eleitorado de que tem à disposição o melhor serviço de saúde pública que existe, porque não é verdade.



Já houve tempo em que as autoridades brasileiras procuravam o Hospital dos Servidores do Estado, aqui no Rio de Janeiro, uma referência hospitalar. E há hospitais públicos de excelência para o tratamento do câncer, como o Instituto do Câncer do Estado de S. Paulo ou o INCA no Rio.



Mas nesses, muitas vezes os remédios mais caros não são acessíveis pelo SUS, e seria preciso furar uma fila para ser tratado imediatamente, o que também identifica deficiências no sistema que o cidadão comum utiliza.



Nos Estados Unidos, presidentes e parlamentares costumam usar o Walter Reed Military Medical Center, um hospital considerado de ponta que fica próximo a Washington — em Bethesda, Maryland.



Na Inglaterra, a utilização de hospitais públicos é uma tradição, e o filho do então primeiro-ministro Tony Blair nasceu em um deles. Na França, os presidentes ou ex-presidentes que adoeceram se trataram no hospital militar Val de Grâce. François Mitterrand se tratou também no Salpêtrière.



Essas atitudes são exemplos de que o comum dos cidadãos tem à disposição o mesmo tratamento médico usado pelos dirigentes do país.



Aqui, nossa nomenclatura trata-se longe do sistema público de saúde, enquanto o respeitável público sofre nas filas.



Como destacou Carlos Alberto Sardenberg no seu artigo de segunda-feira no "Estadão", o Congresso Nacional fornece assistência médica praticamente irrestrita a deputados e senadores e, em muitos casos, a seus familiares e funcionários.



O pessoal do Ministério da Saúde também não se trata no SUS, mas na rede provida por um convênio particular. Militares vão aos hospitais das Forças Armadas.



A situação da saúde pública é semelhante à da educação pública, e o senador Cristovam Buarque, do PDT do DF, não usou as redes sociais, mas sim o Congresso Nacional, para exprimir sua indignação com a situação da educação brasileira.



Propôs simplesmente um projeto de lei em 2007 determinando "a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014".



Na justificativa, o senador afirma que "no Brasil, os filhos dos dirigentes políticos estudam a educação básica em escolas privadas. Isto mostra, em primeiro lugar, a má qualidade da escola pública brasileira, e, em segundo lugar, o descaso dos dirigentes para com o ensino público".



Esta "forma de corrupção discreta da elite dirigente", segundo Cristovam, "busca proteger-se contra as tragédias do povo, criando privilégios".



O senador Cristovam Buarque via como um dos objetivos principais de seu projeto "provocar um maior interesse das autoridades para com a educação pública, com a consequente melhoria da qualidade dessas escolas".



A iniciativa não foi adiante, nem parece ser a solução para a educação nacional, assim como querer que Lula utilize o SUS não melhorará o nosso sistema. Mas seria bom que nossos dirigentes parassem de fazer demagogia com assuntos como educação e saúde.



O jornal "International Herald Tribune", edição internacional do "The New York Times", publicou no fim de semana uma reportagem sobre os privilégios dos altos membros do Partido Comunista Chinês que, além de mordomias conhecidas ou previsíveis como carros luxuosos, escolas especiais para os jovens, e até mesmo produtos orgânicos cultivados em fazendas estatais e a internação no 301 Hospital Militar, o melhor da capital Beijing, incluem nada mais nada menos do que a filtragem do ar em casas e escritórios dos principais líderes chineses.



Num paradoxo somente possível em um capitalismo de Estado como o chinês, a revelação de que a nomenclatura respira um ar menos poluído do que o comum dos chineses foi feita através da propaganda da empresa responsável pela proteção dos pulmões dos líderes chineses.



A empresa se regozija em anúncios de ter espalhado nada menos que 200 purificadores de ar através do Grande Salão do Povo, o Congresso chinês onde pontifica o Partido Comunista, o gabinete do presidente chinês Hu Jintao, e o Zhongnanhai, o conjunto murado para os líderes mais importantes e suas famílias.



Entre um ar mais respirável para todos, e o privilégio para os líderes, a empresa anuncia sua opção: "Criar um ar limpo e saudável para nossos líderes nacionais é uma benção para o povo", diz um dos anúncios.



Querer que Lula tenha o melhor tratamento possível e desejar sua total recuperação é uma questão de humanidade. Mas transformá-lo em um ser intocável, imune a críticas, é pura propaganda.