domingo, 23 de junho de 2013

Protesto sim, arrastão não

Zuenir ventura, O Globo


Calcula-se que mais de um milhão de pessoas participaram das últimas manifestações em todo o país. Destas, é provável que a maioria tenha sido formada por jovens entre 15 e 35 anos, ou seja, aquela turma que os americanos chamam (e nós repetimos) de “geração do milênio”, “geração internet” ou “geração me”, por ser supostamente individualista, narcisista, ansiosa, dependente dos smartphones e, sobretudo, alienada.

Uma pesquisa da revista “Time” concluiu que, entre todos os exemplares da juventude pós-moderna, essa é a de menor participação política, a de engajamento zero.

Também aqui no Brasil reclamávamos que ela não gostava de ler, não tinha projeto e só pensava em si — que se danasse o outro, o país e o mundo, já que cada um, diante do computador, criava o seu próprio universo virtual.

Ao contrário da geração de 68, dogmática e apostólica, que acreditava na vitória do proletariado, os jovens do terceiro milênio seriam menos crédulos e menos solidários, só querendo saber do aqui e agora.

O que ninguém esperava é que esses jovens tidos pelos estereótipos como os mais alienados seriam justamente aqueles capazes de “acordar o gigante adormecido” e de devolver ao país o ânimo de poder mudá-lo. E isso sem a máquina do Estado, sem a cobertura dos sindicatos, dos partidos nem das organizações sociais. Apenas com a internet.


Cobrindo a manifestação no Rio, a repórter Lilia Teles notou um pequeno cartaz com a seguinte inscrição, que poderia funcionar como uma espécie de epígrafe: “Menos eu e mais nós.” De todas as palavras de ordem lidas e ouvidas nas passeatas, estas talvez tenham sido as que melhor soam como programa e plataforma de uma geração anárquica, que não quer nem uma coisa nem outra, e que, de tão diversa, nem mesmo pode ser chamada de geração.

Se nada for feito com rigor para impedir a infiltração dos vândalos nas manifestações, o movimento vai perder o que havia conquistado: o apoio entusiasmado da opinião pública, que está sendo substituído pelo medo.

Não adianta mais alegar que esses marginais predadores constituem uma minoria, porque é uma minoria disposta a só produzir estragos. Imagens como as de ontem à tarde na Barra da Tijuca, por exemplo, mostrando grupos de jovens com o rosto coberto, agindo impunemente — quebrando vitrines, promovendo saques em lojas e depredando automóveis à venda —, tinham a ver mais com arrastão do que com protesto.

Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/06/22/protesto-sim-arrastao-nao-por-zuenir-ventura-500852.asp

'Passe Livre' vale mais

Por Arnaldo Jabor

Errei na avaliação do primeiro dia das manifestações contra aumento das passagens

“Eu sou um cão imperialista; eu sou o verme dos arrozais”! — assim começava a autocrítica de um alto dirigente chinês, creio que Peng Dehuai, por ousar criticar a Revolução Cultural de Mao Tsé-tung, que exterminou milhares de inocentes.

Talvez eu seja mesmo um “cão imperialista” porque, outro dia, eu errei. Sim. Errei na avaliação do primeiro dia das manifestações contra o aumento das passagens em SP. Falei na TV sobre o que me pareceu um bando de irresponsáveis pequenos burgueses fazendo provocações por 20 centavos. Era muito mais que isso, apesar de parecer assim. Pois eu, “lacaio da direita fascista”, fiz um erro de avaliação.

Este movimento que começou outro dia tinha toda a cara de anarquismo inútil. E (quem acredita?), critiquei-o porque temia que tanta energia fosse gasta em bobagens, quando há graves problemas a enfrentar no Brasil. Eu falei em “ausência de causas”, em “revolta sem rumo”.

Mas, a partir de quinta-feira, com a violência maior da polícia, ficou claro que o movimento expressava uma inquietação que tardara muito no país pois, logo que eu comecei a escrever em 1992 (quando muitos manifestantes estavam nascendo), faltava o retorno de algo como os “caras pintadas” — os jovens derrubaram um presidente.

Mas, não falo por justificar-me. Erros se explicam mas não se justificam, como diziam no serviço militar. Portanto, errei.

Mas agora peço atenção (e uma pausa nos esculachos contra mim) aos jovens que me leem, para algumas linhas sobre este fenômeno que surgiu nas redes sociais e em milhares de “sacos cheios” por tanta paralisia política no Brasil e no mundo.

Hoje eu acho que o movimento Passe Livre expandiu-se como uma força política original, até mais rica do que os “caras pintadas”, justamente porque não tem um rumo, um objetivo certo a priori. Assim, começaram vários fatos novos em países árabes, na Europa e USA. E volto a dizer que essa ausência de rumos é muito dinâmica e mutante. Como cantou Cazuza: “As ideias não correspondem mais aos fatos”, que são hoje muito mais complexos do que as interpretações que eram disponíveis, entre progressistas e reacionários.

Como bem escreveu Carlos Diegues: “O movimento é importante porque talvez o mundo tenha perdido a esperança em mudanças radicais. Talvez porque a ‘revolução’ tenha perdido prestígio para a mobilidade social. Talvez por não nos sentirmos mais representados por nenhuma força política (...) os jovens do Movimento Passe Livre trazem agora para Rio de Janeiro e São Paulo e outros estados esse novo estilo de contestação, típico do século XXI — uma contestação pontual, sem propriamente projeto de nação ou de sociedade.” É isso.

Não vivemos diante de “acontecimentos”, mas só de incertezas, de “não acontecimentos”. Na mídia, só vemos narrativas de fracassos, de impunidades, de “quase vitórias”, de derrotas diante do Mal, do bruto e do escroto.

O mundo está em crise de representatividade. Essa perplexidade provoca a busca de novos procedimentos, de novas ideologias, de uma análise mais cética diante de velhas certezas. E toda essa energia tem de ser canalizada para melhorar as condições de vida do Brasil, desde o desprezo com que se tratam os passageiros pobres de ônibus, passando pelo escândalo ecológico, passando pela velhice do Código Penal do país que legitima a corrupção institucionalizada. O importante nessas novas manifestações é que elas (graças a Deus) não querem explicar a complexidade do mundo com umas poucas causas onde se trancam os fatos.

Eu sei, eu sei que é difícil escapar do “ideologismo; sei que a ideia de complexidade é vista como “frescura” e que macho mesmo é simplista, radical, totalizante. Mas, no mundo atual, a inovação está no parcial, no pensamento indutivo, em descobrir o Mal entranhado em aparências de Bem.

Sei também que é muito encantador uma luta mais genérica, a “insustentável leveza do ser revolucionário”, que cria figuras como os “militantes imaginários” que analisei outro dia. Estes jovens saíram da condição de torcedores por um time ou um partido e estão militando concretamente. O perigo é serem esvaziados, como foi Occupy Wall Street.

É fundamental que o Passe Livre se amplie e persiga objetivos concretos.

Tudo esta parado no país e essa oportunidade não pode ser perdida. De um fato pequeno pode sair muita coisa, muito crime pode estar escondido atrás de uma bobagem. Os fatos concretos são valiosos. Exemplo: não basta lutar genericamente contra a corrupção. Há que se deter em fatos singulares e exemplares, como a terrível ameaça da PEC 37 que será votada daqui a uma semana e que acaba na prática com o Ministério Público, que pode reverter as punições do “mensalão,” pode acabar até com o processo da morte de Celso Daniel; fatos concretos como a posse do Feliciano ou o extraordinário Renan em suas duas horas de presidente da República. Se não houver “núcleos” duros dos fatos, dos acontecimentos presentes e prováveis, as denúncias caem no vazio abstrato tão ibérico e tão do agrado dos corruptos e demagogos.

Por isso, permito-me sugerir alguns alvos bons:

Descobrir e denunciar por que a Petrobras comprou uma refinaria por 1 bilhão de dólares em Pasadena, Texas, se ela só vale 100 milhões? Por quê?

Por que a Ferrovia Norte Sul, que está sendo feita desde a era Sarney, ainda quer mais 100 milhões para mais um trechinho. Saibam que na época, há 27 anos, a “Folha de S. Paulo” fez uma denúncia genial: botou na página de classificados um anúncio discreto onde estava o resultado da concorrência dois dias antes de abrirem as propostas. Claro que a concorrência era malhada. Foi um escândalo mas continuou até hoje, comandada pela Valec, de onde o ex-diretor Juquinha, indescritível afilhado do Sarney, supostamente teria tascado 100 milhões.

Por que as obras do Rio São Francisco estão secas?

Por que obras públicas custam o dobro dos orçamentos?

Por que a inflação está voltando? Por que a infraestrutura do país está destruída?

Por quê?

Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/passe-livre-vale-mais-8717407

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O futuro do jornalismo estava na Gávea

ARTIGO - *ELIO GASPARI


A ventania reformadora dos meios de comunicação voltou ao Brasil da pior e da melhor maneira. Cortaram-se vagas e poderão ser extintos títulos que fizeram história. Esse é o aspecto fim do mundo. Há o outro, do mundo novo. De sua casa na Gávea, o jornalista Glenn Greenwald explodiu um dos grandes segredos do governo americano jogando o companheiro Obama no fosso da falta de credibilidade. Ele grampeia o mundo, inclusive seus cidadãos.

Nunca na história deste país notícia tão importante saiu daqui, muito menos da Gávea. A imprensa americana tem dezenas de repórteres especializados em segurança nacional. A maioria trabalha em Washington, com bons salários e incríveis fontes. Os mais afortunados vão todo ano ao jantar dos correspondentes da Casa Branca, com direito a tapete vermelho e a acompanhantes famosas. Pois foram batidos por um repórter que, desde 2007, trabalha no Rio. Depois de passar pelo site Salon, Greenwald está no jornal inglês “The Guardian”. Seu principal instrumento de trabalho é o computador.

Em 1969, Daniel Ellsberg, um analista do Departamento de Defesa Americano, desencantou-se com a política de seu governo no Vietnã e começou a copiar 47 volumes de um relatório secreto. Ralou meses dormindo pouco e gastou o equivalente a US$ 20 mil. Ofereceu-os a dois senadores e nenhum deles quis se meter na encrenca. Cinco meses depois, convenceu um repórter do “The New York Times” a entrar no caso. O jornal levou mais três meses para digerir o material e, em junho de 1971, surgiram os inesquecíveis Pentagon Papers. Em 2009, o soldado Bradley Manning baixou 750 mil telegramas secretos do governo americano em CDs de canções de Lady Gaga. Num só, em alguns minutos, caberiam cinco cópias dos Pentagon Papers. Ele mandou o material para o site Wikileaks e deu no que deu.

Da Gávea, Greenwald recebeu as informações mandadas por um técnico da National Security Agency que trabalhava para a Booz Allen Hamilton. Sabia-se que a NSA inaugurará em outubro uma central de dados no deserto de Utah com capacidade para armazenar dez vezes tudo o que há na internet. A denúncia de que Obama grampeia o mundo veio de Edward Snowden. Ele tem 29 anos, vivia no Havaí, foi para Hong Kong e de lá remeteu as informações. Valeu-se de Greenwald porque respeita seu trabalho no “Guardian”, jornal centenário, com uma tiragem de 200 mil exemplares e um site grátis.

Seu prestígio vem da qualidade de seus repórteres e do discernimento de seus editores. O que Greenwald fez foi buscar notícia e, graças à internet, recebeu-a, na Gávea. A internet não ameaça o jornalismo. Pelo contrário, facilita-o, desde que o repórter saiba o que deve procurar, faça-se respeitar por quem tem o que ele busca e haja nas redações o entendimento de que notícia ajuda, não atrapalha a rotina de uma edição.

As duas maiores notícias do século (“A guerra acabou” e “Kennedy está morto”) foram divulgadas contrariando as convenções jornalísticas. A rendição alemã estava embargada e o repórter que a pôs no ar foi punido. A morte do presidente foi anunciada sem que a informação fosse confirmada e, obviamente, foi desautorizada pela Casa Branca. Sacrossanta internet, a notícia sai do Havaí, passa por Hong Kong e pousa na Gávea.

*Elio Gaspari é jornalista

Fonte: http://oglobo.globo.com/opiniao/o-futuro-do-jornalismo-estava-na-gavea-8653311

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A volta ao ar de Big Boy

Por Carlos Albuquerque - "O Globo"

Radialista, DJ, apresentador de TV e jornalista, ele tem o legado revisto no mês em que faria 70 anos, com seu acervo aberto ao público pela primeira vez na internet




Big Boy, morto em 1977: um comunicador brilhante, que influenciou toda uma geração. Arquivo

RIO - Newton Duarte era um garotão. E música era a sua maior diversão. Por causa dela, o pacato professor de geografia, que lecionava no Colégio de Aplicação da UFRJ no fim dos anos 1960, se transformou no elétrico Big Boy. Multimídia antes que o termo fosse batizado, ele foi radialista, DJ, apresentador de TV e jornalista, sempre um passinho à frente do seu tempo em cada uma dessas atividades. Falava de Led Zeppelin, tocava soul e funk, selecionava rock progressivo e os primórdios da eletrônica, e escrevia sobre tudo isso com maestria.

Morto em 1977, de infarto, aos 33 anos, após um ataque de asma, num hotel em São Paulo, ele subverte a ideia de que saudade não tem idade e reaparece agora com uma página no Facebook em sua homenagem, justamente no mês em que completaria 70 anos, fazendo jus a um de seus mais famosos bordões: “Hello crazy people, Big Boy rides again.”

Criada pela ex-mulher, a professora universitária Lúcia Duarte, e por um dos seus filhos, o produtor de televisão e também DJ Leandro Petersen, a página abre ao público, pela primeira vez, o precioso arquivo de Big Boy. Desde o primeiro dia de junho (data do seu aniversário), estão sendo colocados ali vinhetas de rádio (como as da Mundial AM, em que comandava um célebre programa com seu nome), trechos de entrevistas (com Mick Jagger, por exemplo), fotos (ao lado de estrelas como James Brown e Stevie Wonder), reproduções de suas colunas (uma delas, Top Jovem, era publicada no GLOBO) e, claro, trechos de músicas, retiradas do seu acervo de mais de 20 mil discos de vinil (entre LPs e compactos). É um material que ajuda a traçar um valioso panorama da música pop e dos sons alternativos no Brasil e no mundo nos anos 1970, sob o ponto de vista de um dos seus maiores comunicadores.

— Era uma ideia antiga que tínhamos, de abrir esse acervo, de torná-lo público — conta Lúcia. — Chegamos a fazer vários projetos, inclusive de ceder esse material para um museu, mas sempre faltava alguma coisa. E havia essa eterna dicotomia entre a coisa pública e a privada, já que se trata de algo de interesse geral, mas que também é patrimônio da família, é parte de nossas vidas. A página no Facebook acabou sendo o formato ideal para homenageá-lo, tanto pelo seu caráter de “Baixo Net” (uma brincadeira com Baixo Leblon ou Baixo Gávea), onde todo mundo acaba dando uma passada, como também pela possibilidade de interação com o público. Além do mais, acho que se estivesse vivo, o Newton estaria na internet de alguma forma. Ele adorava tecnologia e era conectado à sua maneira. Era tão acelerado e de vanguarda que o mundo em torno dele parecia lento.

De fato, desde que entrou no ar, a página de Big Boy no Facebook (chamada, justamente, de “Big Boy rides again”) tem recebido diversas contribuições, desde apaixonadas declarações de amor a ele (um fã chegou a postar uma música que fez em sua homenagem) a preciosidades a que a própria família não tinha acesso, como a reprodução da entrevista dada por ele ao repórter Joel Macedo, para o número inicial da “Rolling Stone” brasileira, em sua primeira versão, em 1972 (“Ficamos rodando de carro, do Leme ao Pontal, eu no volante, ele falando, e um gravador no meio”, descreve Macedo).

— Eu o conheci como Newton Duarte, e ele era uma figura extraordinária, carinhosa, alegre, que se descobriu através desse personagem — lembra Nelson Motta. — Aprendi muito de música com o Big Boy. Seus programas eram incríveis e sempre traziam novidades, que ele conseguia através de um superesquema com aeromoças e amigos que traziam discos do exterior. Depois, quando ele começou a ter um quadro no jornal “Hoje”, na TV Globo, onde eu trabalhava, nos tornamos ainda mais amigos.

Na página do Facebook estão também capas e informações dos quatro discos que assinou como DJ, entre 1970 e 1974, dos tempos em que comandava os concorridos Bailes da Pesada, boa parte deles ao lado do parceiro, Ademir Lemos, inicialmente no Canecão e posteriormente em vários ginásios de clubes na Zona Norte. Um deles, “Baile da Cueca” de 1972, trazia a própria peça íntima encartada no disco.

— Ele fazia de forma brilhante o dever de todo DJ, que é apresentar novidades — conta Fernanda Abreu, que incluiu uma fala de Big Boy na abertura de “Baile da pesada” e o citou na letra da música, do disco “Entidade urbana”, de 2000. — Tocou rock, quando ainda era um som maldito, e também soul e funk, abrindo espaço para o som negro nos bailes. Foi uma figura revolucionária, um comunicador brilhante, que influenciou toda uma geração.

Curiosamente, uma das mais cultuadas heranças de Big Boy — que chegou a brincar de ator, em um programa de Chico Anysio, em 1972, como Índio Jerônimo — foi feita em silêncio. Nos primórdios da FM no país, ele assinou a programação da rádio Eldo Pop, do Sistema Globo de Rádio. Como o formato ainda estava em fase de testes, teve total liberdade para usar o espaço e criar uma estação experimental, em 1973, sem vinhetas ou locutores. Na Eldo Pop, colocou no ar grupos de rock dos mais variados estilos, principalmente do chamado som progressivo, abrindo espaço também para pioneiros da eletrônica, como Kraftwerk e Tangerine Dream. Como as músicas não eram identificadas, até hoje tem gente buscando os nomes das sequências em salas de discussão on-line.

— Tenho plena convicção de que, se ele não tivesse partido tão cedo, a música no Brasil teria uma outra dimensão — afirma o radialista, DJ e jornalista Maurício Valladares, discípulo assumido de Big Boy. — Com aquele ar de Chacrinha e a quantidade de informação que possuía, ele deixou conquistas que só hoje estão sendo entendidas.