segunda-feira, 25 de março de 2013

Dois cafés e a conta com Jonathan Caroba

*Por Mauro Ventura


Jonathan Caroba, que passou em terceiro lugar em Jornalismo na Uerj: ex-aluno do Nave Mauro Ventura / Agência O Globo

 O morador do Complexo da Maré que é exemplo de sucesso do Nave, escola pública eleita pela Microsoft uma das mais inovadoras do mundo

RIO - No dia 14, o Colégio Estadual José Leite Lopes, mais conhecido como Nave (Núcleo Avançado em Educação), na Tijuca, foi reconhecido pela Microsoft como uma das 33 escolas mais inovadoras do mundo. É a única do Brasil na lista. Na cerimônia, um aluno arrancou uma ovação do público com sua apresentação. Morador da Maré, Jonathan Caroba, de 17 anos, é um dos casos de sucesso do Nave, parceria do Oi Futuro com a secretaria estadual de Educação que atrai por ano 5 mil candidatos para 160 vagas.

Dirigida por Ana Paula Bessa, a escola pública integral (das 7h às 17h) de ensino médio profissionalizante oferece três carreiras técnicas além do currículo regular: multimídia, programação de games e roteiro para novas mídias, curso escolhido por Jonathan, que passou agora em terceiro lugar em Jornalismo na Uerj, sem cursinho, e estagia no Nave, no Departamento de Mídiaeducação, gerido pelo planetapontocom, instituto que tem como missão produzir soluções inovadoras para a educação pública brasileira. A ideia do Nave é preparar o jovem não só para ser empregado, como também empreender.

Michel Levy, presidente da Microsoft Brasil, diz: “É emocionante quando vemos na prática a transformação da vida de um estudante a partir da inovação nos processos educacionais com o uso da tecnologia como meio. A história do Jonathan é um dos exemplos de como mudanças no processo de ensino e aprendizagem podem transformar a vida de alunos, que passam a contar com perspectivas de crescimento humano e profissionais ainda melhores. O projeto Nave é destaque mundial, pois vai além da capacitação profissional e prepara os jovens com competências de liderança, contribuindo para a formação de líderes contemporâneos.”

REVISTA O GLOBO: O Nave foi eleito uma das escolas mais criativas do mundo. Na cerimônia, você fez uma apresentação elogiadíssima...

JONATHAN CAROBA: O Nave faz com que os alunos sejam proativos. Tem muita prática. Fizemos blog, jornal online, games, roteiros, curtas. Mas usar o computador para ensinar não é novo, a didática é que faz a diferença. Na entrega do título, simulei uma conversa com uma versão minha no passado. Escrevi o roteiro num dia, a partir de uma ideia de Fernanda Sarmento (coordenadora de projetos de educação e games do Oi Futuro) e ensaiei com nosso professor de teatro, Carlos Marapod. No dia da cerimônia, eu estava sentado na plateia quando tocou meu celular num volume altíssimo, com uma música inconveniente. Todo mundo olhou para mim. Levantei-me, subi ao palco e disse que ia atender uma ligação importante. Quando falei alô surgiu um vídeo em que eu aparecia como se fosse três anos antes, entrando na escola. Há uma conversa entre os “dois”. No vídeo, falo das expectativas que tenho ao entrar na escola. Ao vivo, vou contando as realizações de lá para cá, como ter sido o primeiro da família a chegar à faculdade e estar estagiando.

De que forma seus pais estimularam seus estudos?

Quando você é da favela, tem inclinação a trabalhar cedo, constituir família, mas meus pais sempre me incentivaram a estudar. Minha mãe é doméstica, tem apenas o ensino fundamental. Meu pai era porteiro e hoje é auxiliar de produção em fábrica de salgados, nunca foi à escola, sabe ler e escrever por iniciativa própria. Mas eles sempre deram apoio psicológico: “Você tem a vida que nunca tive, tem uma visão de futuro que não tenho mais. Tem que aproveitar bem isso.” Minha mãe ia todo mês à escola saber como eu estava em sala de aula, conversava com os professores, não perdia uma reunião de pais. Olhava os cadernos para ver se tinha recado, acompanhava o boletim, procurava saber o que eu achava do colégio, cobrava notas altas.

Como é sua família?

Meus pais são casados há 19 anos. Sou filho único. Todos os meus amigos têm irmãos, mas minha mãe sempre quis um filho só, por questões econômicas. A estabilidade familiar me ajudou, mas existem outras pessoas daqui da Maré que não tiveram essa base e que conseguiram um espaço semelhante ao meu. Tenho uma amiga, caçula de quatro irmãos, cada um de um pai diferente, que perdeu a mãe aos 7 anos e só viu o pai duas vezes, e que está na universidade também.

As pessoas se surpreendem quando sabem de suas origens?

Poucos acreditam quando falo que moro no Complexo da Maré. Mas é questão de saber se colocar. Não usar gíria, se vestir de maneira adequada ao ambiente. Fiz entrevistas de estágio e se espantavam por eu ser da favela: “Você fala bem.” Na cerimônia da Microsoft, quando falei ao diretor de uma empresa que era da Maré ele levou um susto: “Faz muito tempo que não converso com alguém que mora na favela.” Mas as próprias pessoas da favela se autodiscriminam, têm vergonha de dizer onde moram e estudam. A sociedade faz com que se sintam inferiores. Lembro da primeira vez que fui à Academia Brasileira de Letras (ABL), com minha mãe e uma vizinha. Queria conhecer a biblioteca de lá. Minha vizinha não queria ir: “Não tenho roupa, as pessoas vão olhar para mim de modo estranho.“ Ela já tinha sido discriminada e tinha medo de se expor. Acabou que fomos tão bem recebidos que ela ficou maravilhada e chorou.

Como é a vida de um jovem na favela?

Se você nasce na favela, sua perspectiva de vida é outra. A visão de futuro é menos abrangente. O jovem fica muito focado no agora. Há poucas chances de educação, trabalho e cultura. Você acorda bem cedo, anda muito até o ponto de ônibus, pega condução lotada, às vezes dorme sob tiroteio. Algumas pessoas deveriam passar uma temporada na favela, para ver se valorizam as oportunidades que têm.

Qual o seu gosto musical?

Gosto de bossa nova e samba. Na verdade, só não ouço funk e rap. Mas na Maré ouve-se funk 24 horas por dia no volume máximo. Mas eu fico muito tempo fora, saio de casa às 7h e só volto às 19h, 20h, 20h30m. Quando estou na favela, fecho todas as portas e janelas e ouço Elis, Tom, Maria Rita.

Como você fazia para ter uma programação cultural?

Nunca tive mesada, somente depois que entrei no Nave. Eu estudava em Ciep anteriormente. Como só tinha internet discada em casa, procurava programas culturais no computador do colégio e sugeria aos professores, já que existem saídas pedagógicas oferecidas pelo governo aos colégios. Com isso, a escola nos levou à Bienal do Livro, a museus. Sempre gostei de teatro, exposição, cinema, leitura. Por iniciativa própria, vou a locais gratuitos ou baratos, como CCBB, Caixa Cultural, museus. Na biblioteca da Maré, li Machado de Assis, José de Alencar, os clássicos. A falta de dinheiro não pode servir de desculpa.

*A coluna é publicada aos domingos na Revista O GLOBO


Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/dois-cafes-a-conta-com-jonathan-caroba-7925510




A REDAÇÃO DO ENEM

Por Joaquim Ferreira dos Santos*


Sabe todo mundo que escreve, até mesmo os jornalistas, os mais humildes funcionários da palavra, da necessidade de um texto arrebentar de brilho na abertura e se encerrar retumbante, com aquilo que os antigos do soneto chamavam de chave de ouro. O miolo, bem, o miolo dá-se um jeito.

A literatura mundial está cheia de casos assim. Frases incríveis na página um de livros que depois, coitados, o escritor vai se cansando, a falta de imaginação se sobrepondo à sua pequena estatura intelectual, e tudo escorre ladeira abaixo até ele acordar na última linha para o dó de peito estilístico, levantador de plateias.

Eu quase escrevo “ladeira abaicho”, pois este texto pretende se solidarizar, pelo menos entender e dizer não é 'fássil' pra ninguém, com os estudantes que fizeram as provas de redação do Enem. Eles 'enxeram' os textos desses 'orríveis' erros 'hortográficos' e sofreram o mesmo drama dos profissionais da escrita. O que, caraca!, que 1linguissa1, caramba!, botar entre o brilhareco da frase de abertura e o fecho de ouro?

Teve estudante que colocou o hino do Palmeiras, outros, a receita de miojo. Eu aproveito o ensejo, já que estamos chegando ao miolo, para dizer que lá em casa tem um bigorrilho e que esse bigorrilho fazia mingau, foi ele quem me ensinou a tirar o cavaco do pau.

Em baixa dramaturgia, como a que é praticada na novela das nove ou na moderna literatura brasileira, o problema desse bigorrilho sem nexo é vulgarmente identificado como barriga. O nome é perfeito. No ser humano designa aquele estrupício cheio de longas tripas entre o rosto angelical e o delicioso parque de diversões da sexualidade. Em arte, é o ronco das tripas do leitor reclamando a grana de volta.

Na novela da Globo, a barriga é escancarada naquelas cenas em câmera lenta, diálogos intermináveis, com zero de acontecimentos, no ar apenas para que ela se estique e chegue aos 180 capítulos regulamentares, e pague a produção.

No romance, a barriga está nas páginas e mais páginas, geralmente descritivas da luz ao pôr do sol, feitas apenas para que o livro saia da definição menos comercial de contos ou ganhe solidez física. Editores adoram encomendar livros que fiquem de pé no balcão da Travessa. Pedem “algo em torno de” 400 páginas, pois acham que paralelepípedos aparentam força intelectual. Na verdade, esses tijolaços sinalizam que é grande o risco de se estar comprando uma obesidade narrativa.

Ninguém quer carregar uma barriga, mas, como todos sabemos, não só os que escrevem, elas aparecem insistentes mesmo malhadas diariamente com o ferro das abdominais.

Os estudantes, amadores de texto, erraram apenas em evidenciar, com os hinos clubísticos e as receitas de alta caloria, que seus textos eram portadores desse mal terrível. Um autor de hai-kai, por mais genial, não passaria no vestibular. Uma novela de três linhas do Dalton Trevisan também teria poucas chances. Estamos num país onde a verborragia é elogiada, a oratória barroca do deputado baiano é mito intelectual. Na contramão desses delírios, Drummond dizia “escrever é cortar palavras”.

Na prova do Enem, os estudantes sabem que os professores gostam de volume. E foi o que eles deram, um punhado de palavras significando nada. Um levou nota mil. Outro, 500.

O Brasil adora uma barriga, uma encheção de linguiça. Drummond seria reprovado. Rubem Braga, sempre aconselhando “palavras curtas”, também não iria longe. Eu li os textos barrigudos do Enem e notei, além da necessidade de esticar o assunto, de se esticar também as palavras. Quanto maiores elas forem, mais a impressão dão de se estar inconstitucionalissimamente dizendo algum coisa.

A prova de redação do Enem é a melhor crítica literária da relação do país com a sua maneira de ler, escrever e reconhecer mérito.

Os estudantes perceberam que a verborragia insaciável e sem sentido (“sou deputado baiano, eu quero é falar”, dizia a marchinha) agrada a plateia. Mandaram brasa, com o repertório que tinham para preencher a falta de assunto. Sabiam que ninguém presta atenção (como parece ter sido o caso dos professores encarregados de pontuar o que não estavam lendo). Sem citar nomes, passavam adiante os ensinamentos dos grandes mestres nacionais da língua, gênios como o José Luiz Datena, o Sílvio Santos, o Faustão, o Galvão Bueno, metralhadoras verbais que passam horas no ar dizendo... o quê mesmo?

Fala-se pelos cotovelos, há gordura por todos os cantos dos textos — é o normal da civilização brasileira —, e os professores do Enem não precisaram nem ler. Diante da evidência caudalosa de que estavam diante de imensas barrigas literárias, deram dez, nota dez. Este é o país em que o presidente Juscelino Kubitschek, para encher de pompa os discursos, pedia ao redator: “Espalhe umas borboletas entre os parágrafos”. Estudantes, anarquistas graças a Deus, espalharam miojo e banha de porco.

*Joaquim Ferreira dos Santos é colunista do GLOBO, onde publica sua crônica às segundas e diariamente a coluna Gente Boa, no Segundo Caderno

Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/posts/2013/03/25/a-redacao-do-enem-490905.asp



domingo, 24 de março de 2013

'É estúpido que cidades ricas sejam infelizes'

EDISON VEIGA - O Estado de S.Paulo


O sociólogo italiano Domenico de Masi, de 75 anos, professor da Universidade La Sapienza, de Roma, reafirmou na semana passada, em visita ao Brasil, sua admiração pelo País. Ele também analisou a vocação de São Paulo em meio ao cenário socioeconômico contemporâneo e disse que a cidade tem de ser uma "vitrine de criatividade".

"O Brasil não é o melhor mundo possível, mas é um dos melhores mundos existentes", disse o pensador, que se tornou famoso após a publicação, em 1995, do livro O Ócio Criativo (lançado no Brasil em 2000).

Na obra, Masi defende uma vida mais equilibrada entre trabalho, estudo e lazer. "Às vezes, as pessoas fazem confusão. Ócio criativo não significa não fazer nada, não é preguiça", ressaltou. "Ócio criativo é o trabalho prazeroso, é aliar trabalho a lazer e alegria, transformando-o, portanto, em um trabalho criativo."

Em meio a uma maratona de eventos prevista em sua agenda no Brasil, o sociólogo recebeu a reportagem do Estado na tarde de terça-feira, antes de proferir uma palestra para os professores e funcionários do Colégio Dante Alighieri, no bairro dos Jardins, na zona sul da capital paulista.

Como falar em ócio criativo em São Paulo, uma cidade em que as pessoas perdem tanto tempo no trânsito e no trabalho?

O trânsito exagerado é uma demonstração de progresso não equilibrado. Essa situação poderia ser aliviada com a intensificação do teletrabalho (sistema de home office, em que o trabalhador realiza as tarefas em seu domicílio, com ajuda da internet e outras tecnologias). Por que essa necessidade de ir ao escritório? Eu chamo isso de complexo de Bill Clinton, em que o sujeito quer ir ao escritório só para encontrar a estagiária. Hoje em dia, é possível trabalhar tranquilamente de casa. A questão é a felicidade.

De que maneira a felicidade pode ser consequência desse processo?

Da riqueza, precisamos extrair a felicidade. É estúpido que cidades mais ricas sejam mais infelizes. São Paulo é uma metrópole onde tem de tudo. Entretanto, neste exato momento, há milhões de paulistanos se estressando dentro de seus carros. Isso é um grande manicômio, não é um mundo normal. Mas tal situação se repete em outras cidades pelo mundo. É um modelo em crise.

Como a cidade de São Paulo pode aproveitar os grandes eventos previstos para os próximos anos, como a Copa do Mundo de 2014, para se valorizar ainda mais?

Esses eventos são grandes ocasiões, grandes vitrines ao mundo. É a hora de o Brasil mostrar que é um país com seriedade, felicidade, acolhimento e alegria. Mostrar que o brasileiro tem mais cordialidade, civilidade e cultura. É a ocasião perfeita para divulgar o modelo brasileiro ao mundo, um momento mágico, que não se repete na história do País.

Qual é esse modelo brasileiro, afinal?

Por modelo, entendo um tipo de vida que se pode propor aos outros para melhorar o mundo. Há elementos positivos e negativos no modelo brasileiro. Por um lado, existem o analfabetismo, as diferenças sociais, a corrupção e a violência. Por outro, trata-se de um dos maiores países do mundo, uma grande democracia, um país pacífico, sem envolvimento em guerras. Tem racismo, mas não é um racismo forte. E há uma cultura farta de alegria, de sensualidade e de solidariedade. O Brasil não é o melhor mundo possível, mas é um dos melhores mundos existentes.

No ano passado, o senhor participou de um evento promovido pela Associação Paulista Viva, que tinha o projeto de elaborar e instalar um núcleo criativo na Avenida Paulista. Qual é a ideia desse trabalho?

Espero muito que isso vá adiante, porque se trata de uma ideia fantástica: transformar uma via, a Avenida Paulista, única no mundo, rica e belíssima, em uma vitrine da criatividade do Brasil. Acho essa ideia extraordinária.

Qual o seu lugar favorito na cidade de São Paulo?

Sou grande apaixonado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (morto em dezembro de 2012). Eu era muito amigo dele e gosto de todas as obras de sua autoria. Aqui na cidade de São Paulo, destaco o complexo do Memorial da América Latina e as construções do Parque do Ibirapuera, como a Oca e o Auditório. São grandes obras da arquitetura contemporânea.


Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-estupido-que-cidades-ricas-sejam-infelizes-,1012596,0.htm


quinta-feira, 21 de março de 2013

Pautando a imprensa

Por Zuenir Ventura - "O Globo" - 20/03/2013


É da natureza da imprensa correr atrás dos fatos, mas há fatos que correm atrás da imprensa. São assuntos, personagens e acontecimentos que, por seu interesse e importância, se impõem como notícia e assim permanecem por mais tempo em destaque.

Nesses casos, diz-se que eles “pautam” os jornalistas, como está acontecendo agora com Francisco, o mais simpático, comunicativo e carismático Sumo Pontífice dos últimos tempos. Em uma semana, tudo o que ele disse ou fez foi correndo para os jornais, rádios e TVs. Há quem não se conforme: “É um marqueteiro”, já me escreveram, jogando sobre nós a culpa. Sobra sempre para a mídia: “Vocês não resistem à sedução dele”.

Será isso? Sabe-se que são insondáveis os mecanismos do sucesso (se estivessem à mão de qualquer um, todo mundo usaria), mas, se tivesse que tentar explicar esse fenômeno de comunicação e marketing, abandonaria as teorias sofisticadas, inclusive as conspiratórias, e prestaria atenção no uso que o novo Papa faz da maior fonte de notícia que existe: a surpresa ou seus equivalentes, a novidade e o improviso.

Tudo nele e em torno tem sido inesperado, a começar pela humildade (alguém já tinha visto um argentino humilde?) e sem falar na eleição. Quando se esperava qualquer outro, veio ele. Depois foi a “revolução da simplicidade”: as quebras de protocolo, as pequenas mudanças nas cerimônias, nos ritos e na tradição.

Em vez dos trajes alegóricos, a batina branca, o crucifixo de prata e não de ouro, o sapato preto em lugar do chamativo vermelho do seu antecessor, o despojamento e não a pompa e a opulência. Por fim, talvez não precisasse exagerar, o beijo no rosto de Cristina, que até há pouco não era flor que ele cheirasse.


A dúvida é se tudo isso é gratuito, espontâneo ou se disfarça e esconde uma intenção programada e uma orquestração. Há teólogos e especialistas que acreditam que os gestos de Francisco “vão além das aparências” e são um “recado” de que ele vai ser bem diferente de Bento XVI, e não apenas na cor dos sapatos.

Como já foi dito, ainda é cedo para santificar o novo Francisco, e é possível que ele decepcione a direita e a esquerda. Ao contrário do que muitos gostariam, como, por exemplo, a própria presidente Dilma, ele não vai contemplar as “opções diferenciadas do indivíduo”, se isso significa mexer em dogmas como aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Mas, por outro lado, os que acham que ele é apenas um factoide, uma passageira “criação da mídia”, também não perdem por esperar.

Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2013/03/20/pautando-imprensa-por-zuenir-ventura-489639.asp










segunda-feira, 4 de março de 2013

Slogans

Luis Fernando Veríssimo - O Estado de S.Paulo


Durante 15 anos trabalhei como redator na MPM Propaganda. No fim dos 15 anos sabia tanto sobre como funciona ou deixa de funcionar a publicidade quanto no meu primeiro dia. Amiúde (sempre quis usar a palavra "amiúde"!) me surpreendia com o resultado de uma campanha publicitária ou de marquetchim. Não entendia como, muitas vezes, boas campanhas não davam resultado enquanto outras, medíocres, tinham efeito imediato. Mas mesmo sem, literalmente, saber o que eu estava fazendo durante os 15 anos, foram 15 anos, e alguma coisa eu aprendi.

Aprendi, por exemplo, que o bom slogan publicitário é o que com poucas palavras tem mais de um sentido. Quando eu estava lá a MPM ganhou a conta da Riocel, uma empresa de celulose que, do outro lado do Guaíba, o rio que não é rio, mandava maus odores sobre Porto Alegre, revoltava a população e provocava críticas ferozes da imprensa. Dependendo da direção do vento o cheiro de ovo podre era mesmo insuportável. Para se defender, a Riocel começou a instalar um sistema antifedor - filtros, ou coisa parecida - e contratou a MPM. Para melhorar a sua imagem. Bolamos uma campanha convidando os porto-alegrenses a visitarem a fábrica e descobrirem o que estava sendo feito para acabar com o mau cheiro e ouvir as explicações dos seus técnicos. O slogan da campanha era "Conheça o outro lado". O outro lado do Guaíba e os argumentos contra os ataques que a Riocel sofria, o outro lado da questão. Hein? Hein? Está bem, não era genial. Mas funcionou.

Se alguém me pedisse (ninguém pediu) um exemplo perfeito do duplo sentido que vende eu responderia sem hesitar: o nome do xampu anticaspa "Head and Shoulders", ou "Cabeça e ombros". Como sabe quem tem, a caspa não é um problema só dos cabelos, é também dos ombros, quando se está vestindo roupa escura. E em inglês, quando se quer dizer que alguma coisa é muito superior a outras, se diz que está cabeça e ombros acima das outras, "head and shoulders". O xampu vende sua eficiência contra a caspa nos cabelos e nos ombros e ao mesmo tempo a sua superioridade sobre as outras marcas, com um sutil autoelogio.

Isto tudo é para comentar o slogan - se é que é um slogan para durar e não uma frase de ocasião - do PT, "O fim da miséria é apenas um começo". Não sei se o slogan acabará como exemplo de propaganda enganosa ou se a realidade vai confirmá-lo, mas de um ponto de vista puramente publicitário é ótimo.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,slogans-,1002556,0.htm