sexta-feira, 31 de maio de 2013

Campanha veste sem-teto com roupas Abercrombie em protesto contra a grife

Por PRISCILA JORDÃO - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Após a americana Abercrombie & Fitch ter se tornado alvo de críticas por decidir associar a marca apenas a pessoas consideradas bonitas, uma campanha na internet propõe vestir moradores de rua com artigos da grife.

Apelidada de "Abercrombie Popular", a campanha foi criada pelo designer paulistano Isaias Zatz, 21, e possui uma página no Facebook e um Tumblr (blog para publicação de fotos) que mostram imagens de moradores de rua usando roupas da marca obtidas por meio de doações.

A iniciativa surgiu depois de Robin Lewis, coautor do livro "The Rules of Retail", ter causado polêmica ao afirmar ao site "Business Insider" que a empresa optou por não vender roupas femininas nos tamanhos XL e XXL (XG e XXG no Brasil) para que a marca seja ligada apenas a pessoas "magras e bonitas".

Sem-teto vestem roupas da Abercrombie


 Em protesto contra declarações do presidente da americana Abercrombie, uma campanha na internet propõe doar roupas da marca a moradores de rua
  A acusação ganhou força com a divulgação de declarações feitas pelo presidente da empresa, Mike Jeffries, em 2006. "Em toda escola existem as crianças legais e populares e as crianças 'não tão legais'. Nós vamos atrás das legais", afirmou.

"Muitas pessoas não servem [em nossas roupas] e não devem servir. Somos excludentes? Absolutamente."

Segundo Lewis, a Abercrombie manteve os tamanhos grandes para homens somente para atrair esportistas fortes para as suas lojas.

Zatz, criador da campanha contra a grife no Brasil, afirmou que a ideia de agir contra a Abercrombie não é nova. "Nunca fui fã da marca por ela ser um símbolo social, com só pessoas ricas usando", disse.

Com a repercussão das críticas à empresa, o designer decidiu doar camisetas da grife que ganhou no Natal para moradores de rua e postar as fotos deles usando os artigos em um Tumblr, criado neste fim de semana. Passou, então, a receber doações e fotos de internautas e criou uma página no Facebook.

Uma iniciativa semelhante contra a Abercrombie & Fitch ganha força nos EUA.

Na segunda-feira, o internauta Greg Karber postou no YouTube um vídeo no qual doa roupas da grife a moradores de rua e convoca americanos para o movimento "Fitch the Homeless" (vista os sem-teto com a Fitch, em tradução livre).

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/05/1279465-campanha-veste-sem-teto-com-a-marca-abercrombie.shtml




terça-feira, 28 de maio de 2013

Um plus a mais

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO - O Estado de S.Paulo


Passei por uma loja que vendia roupa "plus size" para mulheres. Levei algum tempo para entender o que era "plus size". "Plus", em inglês, é mais. "Size é tamanho. Mais tamanho? Claro: era uma loja de roupas para mulheres grandes e gordas, ou com mais tamanho do que o normal. Só não entendi isto logo porque a loja não ficava em Miami ou em Nova York, ficava no Brasil. Não sei como seria uma versão em português do que ela oferecia, mas o "plus size" presumia 1) que a mulher grande ou gorda saberia que a loja era para ela, 2) que a mulher grande ou gorda se sentiria melhor sendo uma "plus size" do que o seu equivalente em brasileiro, e 3) que ninguém mais estranha que o inglês já seja quase a nossa primeira língua, pelo menos no comércio.

A invasão de americanismos no nosso cotidiano hoje é epidêmica, e chegou a uma espécie de ápice do ridículo quando "entrega" virou "delivery". Perdemos o último resquício de escrúpulo nacional quando a nossa pizza, em vez de entregue, passou a ser "delivered" na porta. Isto não é xenofobia nem anticolonialismo cultural americano primário, nem eu acho que se deva combater a invasão com legislação, como já foi proposto. O inglês, para muita gente, é a língua da modernidade. Todos queremos ser modernos e, nem que seja só na imaginação, um pouco americanos. E nada contra quem prefere ser "plus" a ser mais e ter "size" em vez de altura ou largura. Só é triste acompanhar esta entrega - ou devo dizer "delivery"? - de identidade de um país com vergonha da própria língua.

Papo vovô. Engana-se quem acha que os avós vivem num paraíso enquanto os pais padecem com as crianças. Ser avô também requer prática e habilidade e, acima de tudo, versatilidade. Ainda mais quando a neta tem uma imaginação ativa, como a Lucinda, e vive mudando a distribuição de papéis nos seus faz de contas. Você um minuto é príncipe e no outro é pai, no outro é caçador e no outro é monstro, e pode passar rapidamente de rei a cachorro. O que exige do avô um talento histriônico fora do comum, além de preparo físico. Uma das minhas encarnações é a de marido. Já nos casamos várias vezes, e como marido tenho um direito que nenhum outro personagem tem, nem o cachorro: o de ser chamado de "meu amor". É o meu papel preferido.

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,um-plus-a-mais-,1034748,0.htm

terça-feira, 21 de maio de 2013

Viver com menos

Por Felipe Sil - "O Globo"


Jovens da classe média reduzem consumo ao essencial por estilo, e não por necessidade. Fenômeno minimalista começa a ser estudado em universidades e difundido na internet


Zappa diz que ter menos objetos é como subtrair problemas Michel Filho / Michel Filho

RIO - A fotógrafa catarinense Claudia Regina, de 24 anos, vive num apartamento de 40 metros quadrados em Copacabana, na Zona Sul do Rio, sem liquidificador, micro-ondas e torradeira. Simples até na dispensa do sobrenome, ela também não tem carro. Dentro de casa, apenas uma cama, poucos armários e um frigobar. Os cabelos são mantidos praticamente raspados, o que elimina a necessidade do uso regular de shampoo e condicionador, assim como o de pente ou escova. O publicitário paulista Michell Zappa, de 28 anos, mora nos Jardins, bairro de classe alta em São Paulo, num apartamento do mesmo tamanho do de Claudia, mas sem TV a cabo, DVD ou Blu-Ray. Até virtualmente ele cortou supérfluos. Tudo que ouve é em serviço de streaming — o que significa que não precisa baixar músicas —, e os livros estão armazenados num Kindle.

Não foi a ruína financeira que levou Claudia e Zappa a aderir à redução do estilo de vida ao essencial. Eles não se conhecem, mas comungam dos mesmos ideais quando o assunto é a maneira de consumir. Mais do que isso, fazem parte de um fenômeno social que já começa a ser debatido. É o que faz o pesquisador da PUC do Paraná Jelson Oliveira. Ele está concluindo o livro “Simplicidade”, que será lançado até o final do ano. Entre os temas abordados está um dos aspectos da questão que Oliveira mais gosta de ressaltar: o “culto de viver com menos” não tem nada a ver com pobreza:

— Adotar a ideia da simplicidade é estar disposto a abrir mão do excesso de bens de consumo. O aumento da procura por outra forma de viver é um sintoma de cansaço com a uma sociedade altamente consumista.

Criados na cultura digital, os adeptos da simplicidade voluntária subtraem móveis, roupas, sapatos, livros, qualquer bem de consumo considerado supérfluo de suas vidas. Ainda que seja um fenômeno social contemporâneo sem líderes nem regras, alguns usam o espaço virtual para divulgar suas ideias.

O escritor carioca Alex Castro, de 39 anos, que cresceu num apartamento de 600 metros quadrados na Barra da Tijuca, aderiu ao movimento e usa seu site pessoal para propagar suas ideias sobre a redução do estilo de vida ao essencial. A base de tudo é o minimalismo — movimento cultural do século passado que faz uso de poucos elementos fundamentais como base de expressão.

— Antes eu atrelava os momentos felizes a objetos inanimados. Um dia, fiquei irritado porque um amigo usou minha caneca. Decidi que não queria ser essa pessoa. Descobri que jogar fora os objetos não significa jogar fora as emoções. Passei a viver uma vida sem rastro, aumentando a prática do desapego.

Castro reduziu seus pertences de tal forma que garante caberem numa caixa. Poucas roupas e sapatos, assim como utensílios domésticos. Ele só não abre mão de investir num bom laptop, Kindle, celular, câmara digital e cachimbos. Todo o resto, teoriza, é supérfluo. Deixar tudo para trás, diz ele, é um exercício constante, que incluiu até livros caçados em sebos durante anos:

— Tenho menos objetos e mais tempo livre para mim. Não posso imaginar troca mais sensata.

A sensação de liberdade por se livrar da necessidade de ter dinheiro para consumir cada vez mais é repetida por todos os seguidores de uma rotina mais simples. O relatório “Estado do Mundo — 2010", da ONG ambientalista WorldWatch Institute, mostrou que apenas um terço da população mundial consome mais do que a Terra é capaz de repor. Os outros dois terços da população do mundo sequer conseguem ir às compras, já que apenas garantem sua própria sobrevivência.

Filósofos e escritores

A vida de pesquisador de tendências levou Michell Zappa a descobrir os benefícios do desapego. Hoje, é praticamente um nômade. Desde os 15 anos, quando saiu de São Paulo para morar em Estocolmo, na Suécia, troca de endereço periodicamente. Nos últimos sete anos morou em Amsterdã, Nova York e São Paulo. Cada mudança, lembra, exigia o exercício do desapego. Até que decidiu focar apenas em alguns móveis e objetos de arte, que ficam espalhados nas casas de familiares e amigos. O resto é “descartável”.

— Hoje tenho um apartamento pequeno, que comporta apenas um sofá, uma estante, um baú e uma mesa com duas cadeiras.

A simplicidade ultrapassa a adoção de uma atitude menos consumista, mas não significa um rompimento total com a sociedade de consumo. Implica fundamentalmente em trocar o supérfluo pelo essencial.

O desejo de ser feliz com menos é mais antigo do que se imagina. Na antiga Grécia, o filósofo Diógenes de Sínope condenava os luxos da civilização. Diógenes, o Cínico, como era conhecido, teria vivido pelas ruas de Atenas e sua única posse era uma cuia. E até dessa se livrou ao ver um menino usando as mãos em forma de concha para beber água. Mas Diógenes, vale esclarecer, achava que pobreza era virtude. Seus discípulos e o também filósofo Antístenes são considerados os primeiros a defender a ideia de que bens e glórias podem se tornar fontes de infelicidade e prisões do espírito.

No século XVIII, o pensador Jean-Jacques Rousseau pregava uma vida bucólica, em contato com a natureza, enquanto o francês Pierre-Joseph Proudhon, no século seguinte, chegou a criar substitutos do dinheiro, como a troca de produtos de acordo com o tempo de trabalho. Escritores como Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau também seguiram por caminhos semelhantes. No mundo contemporâneo, paradoxalmente, um dos exemplos de gente que adotou estilo de vida minimalista foi também um dos maiores criadores de símbolos de consumo. Steve Jobs, criador da Apple, marca-fetiche entre os adeptos do “menos é mais”, era minimalista em sua vida pessoal. Quando solteiro, vivia num ambiente decorado apenas com uma foto do físico Albert Einstein, uma luminária, uma cadeira e uma cama.

— A ideia de simplicidade volta aos debates com frequência. Nos anos 1960, por exemplo, surgiram numerosos movimentos que defendiam uma vida mais comunitária e menos individualista. O que há hoje é uma mercantilização do mundo. Isso estressa as pessoas, e a situação que leva a isso não mudou com o passar das décadas. Uma sociedade extremamente voltada para o consumo apenas complica. Não simplifica. E ainda causa impactos enormes no meio ambiente — argumenta Dulce Critelli, terapeuta e professora de filosofia da PUC de São Paulo.

Para ela, três fatores levam ao crescimento da tendência minimalista pelo mundo. Uma delas é o conceito de slow food que, ao criticar os efeitos padronizantes da fast food, reforçou a crítica ao ritmo da vida atual. O segundo é a crise econômica, que diminuiu o poder aquisitivo das pessoas e as fez repensar seus gastos. E, por fim, os movimentos de preservação ambiental, que não cansam de chamar a atenção, por meio de relatórios e documentos, para o excesso de consumo.

Consumo consciente

Pesquisa do Instituto Akatu, ONG que se dedica à conscientização da sociedade para o consumo consciente, mostra que o brasileiro não associa o sentimento de felicidade e de bem-estar à posse de bens. Das 800 pessoas entrevistadas, 66% apontaram a saúde, tanto a própria como a de parentes e de amigos, como um dos fatores para se sentirem satisfeitas. Apenas 33% indicaram aspectos relacionados ao consumo como condição primordial para o bem-estar. No quesito afetividade, a opção “passar tempo com as pessoas” levou nota 8,3; e “comprar presentes” conquistou 2,6 pontos.

Para Hélio Mattar, diretor-presidente do Akatu, existe uma tensão na sociedade de consumo que leva as pessoas a viverem um verdadeiro estresse cotidiano. Trabalha-se mais para se consumir mais. Um dos maiores dramas, para ele, é na economia. O excesso de desejo gera dívidas. Só que a vontade de comprar ainda mais não cessa, o que acaba alimentando um círculo vicioso que deixa a população numa situação vulnerável.

Segundo o Banco Central, cerca de 45% da renda anual da população estão comprometidos com dívidas. Por mês, o brasileiro gasta, em média, um quarto do salário para pagar o que deve. Os americanos, tradicionais consumistas, comprometem 16%. A consequência do aperto no orçamento é a dificuldade de manter em dia os compromissos financeiros.

Mattar lança mão de um estudo do WorldWatch Institute para discutir o tema:

— Aproximadamente 16% dos países mais ricos do mundo são responsáveis por 78% do consumo total. Isso já ultrapassa o que o planeta é capaz de repor. Agora pensemos na certeza de que o número de pessoas que compram em alta intensidade irá aumentar nas próximas décadas. O planeta aguenta?

Uma solução é o desapego a pertences físicos. Solução essa que ganhou um aliado no mundo virtual. Acervos de fotos, livros, revistas, papéis, DVDs e documentos, que costumam encher armários e gavetas, podem ser guardados virtualmente. Nos Estados Unidos, a venda de livros tradicionais tem caído todos os anos, em contraste com o crescimento do comércio de e-books.

O analista de mídias sociais Ian Black, de 32 anos, não tem tocador de DVD e diz não frequentar locadoras de vídeo há quatro anos. Nos últimos dez anos acumulou um acervo considerável de música e entretenimento digital. Tem mais de 20 mil faixas armazenadas. Possui também aproximadamente 400 filmes baixados. Para ele, um jeito torto de ser ecologicamente correto.

— Consumir menos também significa gastar menos recursos naturais. Mas há um lado de conveniência mesmo. Ter uma estante com centenas de CDs significa que você precisa investir um bom tempo organizando, limpando e ainda tirando da embalagem para colocar em um aparelho específico. Também vou, aos poucos, me livrando dos livros. É o que considero mais absurdo. Dificilmente são relidos e depois só servem como decoração e como peso desconfortável na mudança.

Black, que mora em São Paulo, diz que tenta aplicar o mesmo conceito para roupas. Cada vez mais se apega a peças lisas e fáceis de combinar, de maneira que não tomem tempo e espaço maiores do que o necessário:

— Não quero mais gastar tempo com detalhes supérfluos no meu dia a dia. Também não quero me matar de trabalhar para manter um estilo de vida mais extravagante. Recentemente, também mudei de escritório. Eu e minha equipe abandonamos uma casa alugada de 200 metros quadrados, na qual tínhamos que ter uma pessoa contratada exclusivamente para mantê-la funcionando. Optamos por um espaço mais central e menor que nos permita um contato maior com outros empreendedores. Nosso custo mensal passou de R$ 15 mil para R$ 3 mil.

A vida editada pode fazer diferença para casais como o ilustrador Bruno Algarve, de 30 anos, e a designer Daisy Biagini, de 29 anos. Ambos são paulistas. O estalo começou da parte de Algarve, quando, em 2005, percebeu que não conhecia mais a voz dos clientes. Todo o trabalho era desenvolvido através de e-mails. Viu, então, que não precisaria se prender a São Paulo para trabalhar.

Algarve convenceu Daisy a venderem tudo que tinham e viajar. O que sobrou foi colocado em dez caixas de papelão e armazenado em um quartinho na casa dos pais dela. Agora são apenas duas mochilas para cada um. Uma para roupas e outra para o escritório. Na do trabalho de Algarve ficam laptop, câmera fotográfica e pen tablet, espécie de prancheta digital muito usada por ilustradores. O valor dos três itens não ultrapassa R$ 3 mil.

— E dessa maneira já viajamos para Uruguai, Chile, Peru e Bolívia. Em cada lugar, ficamos em apartamentos ou pousadas. Trabalhávamos onde estivéssemos. De vez em quando, ficamos em São Paulo, mas em casas de amigos ou da família. Até adquirimos um carro para ter mais mobilidade. Mas lá vão apenas as quatro mochilas. A prioridade, na verdade, é viajar. O minimalismo acabou sendo uma consequência que nos ensinou a nos livrar de objetos e praticar o desapego — conta Bruno.

Radicalismo

Poucos pessoas, no entanto, conseguem ser tão radicais quanto o economista britânico Mark Boyle. Em 2008, exatamente no mesmo dia das notícias sobre a quebra dos bancos envolvidos em negócios no mercado de hipotecas, ele resolveu renunciar ao dinheiro. Era dono de duas empresas de comida orgânica, em Londres. Boyle vendeu tudo que tinha e hoje, cinco anos depois, vive em um velho trailer no Sudoeste da Inglaterra.

Hoje, escreve artigos para o jornal “The Guardian” sobre sua atual rotina. Foi logo batizado pelo veículo como “o homem sem dinheiro”. Virou celebridade e chegou a publicar um livro, chamado “O homem sem grana” (Ed. Best-Seller), já lançado no Brasil. Também possui um site pessoal na internet e dá palestras em que conclama as pessoas a renunciar ao dinheiro.

— Todos nós conhecemos os benefícios do dinheiro. Somos informados disso constantemente desde o momento em que nascemos. Na realidade, porém, a experiência de 99% da população me diz que nada disso está perto de ser verdade. O pior de tudo é que, quando olhamos para os problemas do mundo, todos sabemos que esse tipo de cultura em que estamos envolvidos é o principal responsável por grandes problemas ecológicos, sociais e pessoais — argumenta.

A fotógrafa Claudia não chegou ao extremo de Boyle, embora admita que raspar os cabelos foi uma forma de radicalização. Desde que trocou Curitiba pelo Rio — depois de largar a vida de empresária, ela tinha um escritório de webdesign na capital catarinense, e o marido —, ela passou a dar palestras sobre a vida minimalista:

— Minhas escolhas têm a ver com sustentabilidade e economia. Mas é também um ato político. Eu economizo, gasto menos recursos do planeta e me posiciono contra uma sociedade consumista.

Um dos primeiros ativistas desse estilo de vida, o americano Duane Elgin, autor do livro “Simplicidade voluntária”, previa na sua obra, de 1981, a necessidade de mudança. Ele deixava claro que descomplicar não significava fazer voto de pobreza. Mas reduzir a demanda por elementos externos que proporcionam uma dose limitada de satisfação e sensação de bem-estar.

— Desde então, muita coisa mudou. Lembro que nos anos 1970, nas minhas primeiras palestras, eu era visto como um cara excêntrico. Agora sou apresentado como um exemplo positivo de que é possível mudar. O tema passou a ser visto com menos complacência e mais urgência. Naquela época, havia poucos debates sobre mudanças climáticas, problemas de energia e água... Agora, quanto mais perto observamos o planeta, mais vemos que ultrapassamos a capacidade do mundo em assegurar nosso nível extremado de consumo — defende Elgin, em entrevista por email.

Fonte: http://oglobo.globo.com/amanha/viver-com-menos-8451460




quarta-feira, 15 de maio de 2013

O Nescau da Luma

Por Joaquim Ferreira dos Santos - "O Globo"

No dia em que eu conheci a Luma de Oliveira, ela me perguntou: ‘Você não quer ir lá em casa tomar um Nescau?’ Fui.

No dia em que eu conheci o John Travolta, ele estava no mais absoluto ostracismo pós “Embalos de sábado à noite” e não tinha noção de que, 20 anos depois, seria levado de volta à fama e às boas críticas pelas mãos de Tarantino. Travolta estava no Hotel Intercontinental dando entrevistas para um filme tão inexpressivo que se perdeu na memória. Nem ele acreditava em si mesmo. A conversa era ruim. Foi aí que eu me lembrei dos conselhos do repórter americano Hunter Thompson para botar fogo na entrevista quando ela, ali pela meia hora de papo, ainda não tivesse um lide. As respostas eram chochas, não havia o que perder — e eu acendi o isqueiro. “Você já teve relações homossexuais?”, mandei. “Se sente humilhado pelo fracasso atual?”, mandei em seguida. Travolta, muito digno, levantou-se e esticou as mãos em despedida. Ufa! Custou, mas eu já tinha o que escrever.

No dia em que eu conheci a Luma de Oliveira, ela estava ajoelhada na frente da mesa em que eu autografava uns livros, e enquanto eu arrumava uma inspiração para a dedicatória ela me sussurrou alguma coisa. Não entendi, mas, educado, sorri. Ela esperava alguma resposta e, sem jeito, sussurrou de novo algo terminado em “Nescau”. Sorri, surdo, de novo sem pescar o que ela dizia. Quando eu não entendi a frase pela terceira vez, olhei para ela e pedi que repetisse. “Você não quer ir lá em casa tomar um Nescau?”, era a pergunta. Tratava-se de um ritual das cinco horas da tarde da primeira rainha de bateria. Por mais nonsense que fosse, aceitei. Tomamos o Nescau com bolachas Maria e, filosofando, olhamos lá de cima, do alto Jardim Botânico, as formiguinhas humanas que lá embaixo procuravam aflitas um caminho para suas existências. Cantarolamos felizes o jingle “Nescau tem gosto de festa/ dá mais vontade de brincar”.

No dia em que eu conheci o Alceu Valença, nós dois estávamos mais pra lá do que pra cá e, para ser cruamente exato, nós estávamos deitados no chão de um restaurante de Guadalajara, México, na temporada da Copa do Mundo de 1986. Participávamos do ritual do coscoron. Tomava-se um gole de tequila, o garçom em seguida vinha com um guardanapo embebido em mais tequila, colocava no nariz do freguês, chacoalhava a cabeça dele e, com a vítima sentada na cadeira, deitava o sujeito no chão. Quando eu olhei para o lado, lá estava o Alceu, grande cantor de “Vou danado pra Catende”, também deitado, zonzo. Rimos, fazer o quê?

No dia em que eu conheci a Mãe Diná, num escritório de Ipanema, ela disse que eu precisava pagar R$ 200 para desenterrar meu nome no cemitério São João Batista, obra de uma ex-namorada amargurada. Eu estava com um gravador escondido dentro da bolsa, colocada estrategicamente em cima do colo, e tremi quando Mãe Diná começou a apontar, com meneios de cabeça, na direção dela. Achei que eu havia sido desmascarado pelos seus poderes sobrenaturais. Mas, pior. Mãe Diná estava apontando para algo ainda mais valioso que o gravador. Disse: “Se você não desenterrar o nome do cemitério, vai perder sua força de homem”. Resolvi apostar contra os desígnios dela. Não paguei. Passados todos esses anos, posso dizer que economizei os 200 reais.

No dia em que eu conheci o Paulinho da Viola, ele estava entrando no estúdio da Warner, na Rua Faro, no Jardim Botânico, para gravar um LP e saldar o contrato com a gravadora. Quando perguntei pelas músicas, ele me disse que tinha apenas duas prontas, faltavam dez, e que elas iriam, deu um sorriso, aparecendo durante as gravações. Um mês depois Paulinho tinha mais um disco genial pronto, e eu sabia que ele não havia feito as músicas naqueles 30 dias. Elas estavam sendo armazenadas em seus barris de carvalho, curtidas pela existência de um artista sensível, para um dia serem desarrolhadas e degustadas por paladares finos.

No dia em que eu conheci o coronel Péricles Augusto Machado Neves, todo poderoso presidente do BNH na ditadura Garrastazu Médici, ele na verdade não estava em casa. Péricles presidia a caderneta de poupança, e tinha dado entrevistas dizendo que brasileiro não sabia poupar, jogava muita coisa boa fora — e o editor Elio Gaspari me encarregara de pegar, em pleno regime militar, a lata de lixo do coronel. Eu me fiz de funcionário da Comlurb. Bati na porta dos fundos do apartamento e o filho do homem, sem estranhar, me deixou carregar o tesouro, a lata de lixo repleta de porções de arroz ainda boas, papelão que poderia ser reciclado, garrafas que podiam ser vendidas etc. A relação de desperdícios deu página inteira na revista em que eu trabalhava — e eu só estou escrevendo isso para lembrar, em plena civilização das assessorias e das entrevistas por e-mail, do tempo em que repórteres gastavam sola de sapato e contavam a História do Brasil fuçando a lata de lixo dos poderosos.

Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/o-nescau-da-luma-8369464