quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O escritor e a loucura

Por Zuenir Ventura - "O Globo" - Caderno Opinião - 29/02/2012

Para quem só conhece Rubem Fonseca no Brasil, é difícil imaginar a cena ocorrida na semana passada em Póvoa de Varzim, cidade de Eça de Queirós, ao Norte de Portugal, quando o escritor que não dá entrevistas, não se deixa fotografar e não faz palestra, a nossa Greta Garbo, de microfone em punho, rodando em volta da mesa onde deveria estar sentado ao lado de meia dúzia de importantes colegas portugueses, iniciou sua fala: "Aqui nessa mesa todos somos loucos." Dizia e punha a mão no ombro de cada um, inclusive do quase nonagenário filósofo Eduardo Lourenço. "A literatura é uma forma socialmente aceita de loucura", justificava. Na plateia, mais de 200 pessoas assistiam meio incrédulas, misturando espanto e muitos risos, à palestra-show do autor de "Bufo & Spallanzani", que foi premiado no 13 Correntes d'Escrita, o encontro anual que reúne escritores de expressão ibérica.


Citando em dez minutos doze autores de variadas nacionalidades (é o único a fazer isso com naturalidade, sem ser pedante), Rubem apontava as condições necessárias para alguém se dedicar ao ofício da escrita. A primeira, indispensável, seria então a loucura. Recorrendo a um exemplo do inglês W. H. Auden, ele garantiu que a maneira de formar um poeta é torná-lo, quando criança, bem neurótico. Basta isso? Perguntou, para responder que não, que o candidato devia ser alfabetizado, "mas não muito". E não precisa ser inteligente? Nem sempre. Segundo ele, Somerset Maughan confessou ter conhecido centenas de colegas, mas poucos, inteligentes. "Concordo com isso", acrescentou Rubem, para delírio da plateia.

As outras condições seriam ser motivado ("sem motivação você não descasca nem uma banana"), imaginativo (e, virando-se para os que compunham a respeitável mesa, disse: "O escritor tem que ter imaginação, ouviram, meninos") e, finalmente, ser paciente. Para ilustrar, citou o caso do romancista francês Gustave Flaubert, que levou cinco anos para escrever "aquele livrequinho de 200 páginas, 'Madame Bovary', porque ficou à procura da palavra certa, o 'mot juste'". "Não existe sinônimo, estão ouvindo? Cada palavra tem um significado diferente", ensinou, provocando mais risos: "Essa coisa de sinônimo é conversa mole para boi dormir dos gramáticos."

No final, sobrou também para o público: "Vocês aí, não pensem que, por não serem escritores, não são loucos também." Foi aplaudido de pé.

Em 1995, assisti a um show parecido em Havana, onde ele e eu fomos jurados do Prêmio Casa das Américas. Quando descrevi na volta o que tinha visto, um Rubem Fonseca solto, desinibido, fazendo graça e arrancando gargalhadas ao ler dois contos, um violentíssimo e outro quase obsceno, muitos aqui duvidaram.

Agora tem o YouTube para comprovar. Podem conferir:http://youtu.be/QqjLOOs8h5k
 
 
 
 

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