quinta-feira, 29 de março de 2012

Papa reforça missão da Igreja em Cuba

"Opinião - O Globo" - 29/03/2012

Visita amplia espaço para distensão e abertura políticas

O Papa Bento XVI iniciou sua viagem a Cuba com uma declaração até certo ponto surpreendente. Ainda no avião, rumo ao México, criticou sistemas políticos baseados no marxismo, afirmando que “a ideologia, como foi concebida, não corresponde mais à realidade”. Em solo cubano, moderou o discurso, mas deu seu recado ao exortar os cubanos a construir uma sociedade mais aberta, baseada na verdade, na justiça e na reconciliação. Em velada referência ao marxismo, declarou que a “busca da verdade implica o exercício da liberdade autêntica” e que “alguns interpretam mal essa busca, levando-os à irracionalidade e ao fanatismo, e a fechar-se sobre suas verdades, tentando impô-las aos outros”. Coube ao vice-presidente do Conselho de Ministros, Marino Murillo, responder a Bento XVI: ele destacou que as reformas econômicas não seriam acompanhadas de reformas políticas.Mas uma coisa é a retórica da ditadura e outra, a realidade. A viagem papal é útil ao governo de Havana, pois chama a atenção para um país que vive um drama, sem perspectivas e com a economia estagnada. Raúl permitiu que os cubanos comprem e vendam imóveis e veículos, e abram pequenos negócios para dar chance aos milhares de funcionários públicos que serão cortados, pois o Estado não tem mais como mantê-los. E não há dinheiro para investir em infraestrutura e manter as conquistas em termos de saúde e educação.

João Paulo II visitou Cuba em 1998. São momentos diversos, estilos diferentes, outros líderes — Raúl foi o anfitrião de Bento XVI, um Pontífice mais discreto que o inspirador e carismático antecessor. Mas o atual chefe do catolicismo cumpriu a missão de consolidar a Igreja como a maior organização social em Cuba depois do governo e como interlocutora capaz de ter papel crucial nas transformações que já se iniciaram.

Sua mensagem de fé e liberdade poderá servir de amortecedor no caso de uma transição traumática ou colapso do regime. O Papa reconheceu os avanços desde a visita de João Paulo II e exortou o governo a seguir em frente com as reformas. E pediu mais liberdade para a Igreja Católica, incluindo o direito de ensinar religião nas escolas e dirigir universidades.

Um dos assuntos mais delicados é o aspecto policial do regime, que persegue e prende quem faz oposição. Centenas de pessoas foram presas às vésperas da chegada e durante a estada do Pontífice, inclusive integrantes do grupo Damas de Branco. Críticos da ditadura castrista foram mantidos longe dos locais onde o Papa rezou missas públicas. Segundo o Vaticano, o Papa não esteve com dissidentes, mas recebeu suas mensagens.

A viagem do líder da Igreja renova a esperança de que a vida dos cubanos possa mudar para melhor. É um simbólico passo à frente, mas precisa ser seguida de atos concretos. Do lado cubano, de distensão, abertura e respeito aos direitos humanos, que levem ao fim da perseguição política e das prisões arbitrárias. Do lado da Igreja, de empenho em seu renovado papel numa futura transição política que se afigura complicada. É necessário também que os EUA reconheçam o início das reformas em Cuba e negociem o fim do anacrônico embargo econômico, que acaba de completar 50 anos.

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