quinta-feira, 3 de maio de 2012

Bancos, um exemplo

Por Míriam Leitão - "O Globo" - 02 de maio de 2012

Este assunto rende. Falar mal dos bancos traz sempre apoio, mas a presidente Dilma não precisa disso porque o brasileiro já a tem em alta conta. Precisa ficar atenta à fronteira entre o popular e o populismo. Tomara que Dilma fique no primeiro campo. Os bancos cobram tarifas demais, spreads inexplicáveis, e tratam mal os clientes. Todos os bancos têm defeitos, inclusive os estatais. Há um caso que é um bom exemplo de como agem.


Nas operações de crédito, os bancos jogam no spread, entre outros custos, o que têm que depositar no Fundo Garantidor de Crédito. O FCG é capitalizado pelos bancos com o equivalente a 0,15% dos depósitos que recebem em um ano. Então os bancos pensam que o Fundo é deles, e o governo concorda. Mas na verdade é do distinto público, já que esse custo é distribuído entre todos os que pegam empréstimo.

Quando o FGC foi criado em 1995, seu objetivo era garantir o dinheiro dos correntistas e aplicadores até um determinado valor, no caso de banco quebrar. Foi criado para ser uma garantia para quem entrega seu dinheiro ao banco, confiando que as instituições operam por autorização da autoridade monetária e vivem
sob a sua supervisão.

Vamos lembrar um caso em que os bancos atuaram em causa própria. Todos, principalmente a Caixa Econômica Federal. A instituição, que é estatal, portanto, teoricamente, de todos os contribuintes do país, decidiu em 2009 comprar 49% do PanAmericano e foi aplaudida pelo ministro Guido Mantega. Pagou R$ 739 milhões.

A Caixa não viu que havia rombo de R$ 2,5 bilhões no banco quando fez a chamada due diligence. Esse é o nome que se dá à análise do produto antes da compra. Como o patrimônio era menor do que o rombo, ela pagou para ficar sócia de um buraco.

Os bancões privados e públicos, que administravam o Fundo Garantidor de Crédito como se fosse dinheiro deles, decidiram dar um empréstimo nesse valor ao PanAmericano. Foi feito para que um sócio da Caixa não quebrasse. Mas bastava a CEF dizer que tinha sido enganada e desfazer o negócio.

O governo defendeu a operação dizendo que o dinheiro era privado. Engano. É dinheiro do público, já que o custo é socializado com sua distribuição entre os clientes dos bancos. Está no spread que tanta irritação causa à presidente.

A Caixa não seria a única perdedora. Banco do Brasil, Bradesco e Itaú estavam entre os mais expostos ao risco PanAmericano. Tinham comprado carteiras de crédito do banco, e se a instituição desaparecesse eles estariam em complicações para receber o dinheiro. O que significa o seguinte: o conselho do FGC tomou decisões em causa própria. Ele era formado justamente por Itaú, Bradesco, Caixa e Banco do Brasil.

Por lei, quando um banco quebra, os bens dos donos e administradores têm que ficar indisponíveis. Foi o que aconteceu no Proer. Os bens da Caixa Econômica ficariam indisponíveis? Melhor nem pensar. Certamente ficariam indisponíveis os bens dos administradores, incluindo os da presidente Maria Fernanda
Ramos Coelho, que assumira a presidência do conselho da administração do banco falido.

O primeiro empréstimo foi dado com a garantia dos bens do empresário Silvio Santos, dono do banco. Em 2010, descobriu-se que o rombo era muito maior. Aí os bancos fizeram o segundo salvamento do PanAmericano e da face da Caixa com o dinheiro coletivo. O FGC deu novo empréstimo. Ao todo, R$ 4,3 bilhões. Em fevereiro de 2011, o Fundo liberou as garantias dadas pelo dono do banco e vendeu tudo ao BTG por R$ 450 milhões. O FGC vendeu por pouco mais de 10% do valor que depositou no banco.

A história do rombo é conhecida: o banco vendeu carteiras mas as manteve em seus ativos e depois gostou da brincadeira e criou carteiras falsas. Não tinha o que dizia ter. Fraude.

A Caixa, por sua vez, teve que fazer novos e bilionários aportes de capital no PanAmericano para que ele ficasse em pé. Quem ganhou com isso? A diretoria da Caixa, que não teve que explicar por que colocou a instituição em um barco todo furado. O empresário Silvio Santos, que recuperou todos os seus bens. Os bancos, que teriam prejuízo com a quebra do PanAmericano, como Bradesco, Itaú e Banco do Brasil. O empresário André Esteves, que apresentou-se como o salvador da pátria financeira e fez um excelente negócio sem risco, tornando-se sócio da Caixa. Maria Fernanda, que foi indicada representante do Brasil no BID.

O custo de tudo isso foi coberto pelo dinheiro arrecadado de quem pegou empréstimo. Está no odiado spread. É dinheiro coletivo, público. O Fundo foi feito para salvar os correntistas, mas passou a ser uma espécie de FGBF, Fundo Garantidor de Banqueiros Falidos, usado para salvar a face e os bens de quem administrou mal o dinheiro dos correntistas, aplicadores e contribuintes.

Foram feitas outras operações de socorro a bancos falidos. Quem ficava com um passivo recebia dinheiro do FGC. Foi assim que o grupo JBS recebeu R$ 800 milhões a juros negativos para que seu Banco Original assumisse os buracos do Banco Matone.

Nada original. Os bancos são assim mesmo. O prejuízo é de todos, o lucro é deles. Seja o banco público ou privado. Inexplicável e inadmissível, diria a presidente Dilma.

Fonte: http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2012/05/02/bancos-um-exemplo-443039.asp

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