quarta-feira, 25 de julho de 2012

Cortar Palavras

Por Zuenir Ventura - "O Globo - Caderno Opinião" - 21/07/2012

Sempre quis saber se a máxima “Escrever é cortar palavras” era de Carlos Drummond de Andrade ou de Graciliano Ramos. Pela economia de linguagem dos dois, tanto podia ser do poeta quanto do romancista. É a melhor definição do nosso ofício de jornalistas e escritores, que passamos a vida tendo que suprimir ou diminuir texto mais do que acrescentar, o que dá muito mais trabalho. Como dizia o Padre Antonio Vieira, “peço desculpas porque não tive tempo de ser breve”. Falando disso com Marisa Lajolo e Arthur Dapieve, ela, escritora e professora de Literatura, tinha uma pista. Dias depois, me mandou a cópia de uma crônica do saudoso Armando Nogueira justamente intitulada “Escrever é cortar palavras”. Ele conta que passou “alguns anos” acreditando que o autor fosse Drummond. Mas, melhor repórter do que eu — que fiz uma longa entrevista com o poeta sem tocar no assunto —, Armando matou sua curiosidade indo direto à fonte. O poeta conhecia a frase, informou, “mas negou que fosse dele”. “Desapontado”, continuou sua pesquisa. Otto Lara Resende desconfiava que pertencia a um escritor mexicano, mas de cujo nome não se lembrava.


A busca levou o cronista a John Ruskin, “notável escritor e crítico inglês do século passado” (XIX), autor de um conto antológico sobre um feirante que oferece num quadro-negro o seu produto: “Hoje vendo peixe fresco.” Ao perguntar ao amigo o que achava da propaganda, recebeu a resposta de que a palavra “hoje” era dispensável, por óbvia. O vendedor cortou o advérbio de tempo e perguntou: que tal agora? “Se o amigo permite, tornou o visitante, gostaria de saber se existe aqui na feira alguém dando peixe de graça.” Era claro que não. E o anúncio, depois de perder o advérbio, perdeu o verbo, ficando reduzido simplesmente a um substantivo e a um adjetivo: “Peixe fresco.” Como numa feira presume-se que todo peixe seja fresco, bastaria a palavra “Peixe”. Mas, pensando bem, seria redundante chamar pelo nome o que todo mundo estava cansado de conhecer. Ruskin concluiu então: “O substantivo foi apagado. O anúncio sumiu. O quadro-negro também. O feirante vendeu tudo.”

A moral da história pode parecer uma sutil ameaça a escritores, jornalistas e publicitários. Será que, se a máxima for aplicada com excessivo rigor, acabaremos sendo dispensáveis?

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Por falar em mensagem, pelo menos uma autoridade se indignou contra a cena denunciada pelo colunista Ilimar Franco: soldados do 1, Batalhão da Polícia do Exército do Rio marchando e declamando em coro: “Bate, espanca, quebra os ossos até morrer. Arranca a cabeça e joga no mar.” O ministro da Defesa, Celso Amorim, mandou abrir sindicância contra o que classificou de “absolutamente inaceitável”. De fato, trata-se de autêntica apologia da barbárie.



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