domingo, 9 de dezembro de 2012

Ainda existem heróis?

Por Helena Celestino - O Globo - 09/12/2012

Passaram-se cerca de 22 segundos entre o primeiro grito e o momento em que o trem atingiu o homem. No país do mítico John Wayne e do indestrutível Super-Homem, nenhum herói apareceu para evitar a tragédia, ninguém naquela plataforma botou de lado o medo e escolheu agir para salvar o cara.

O que você faria? O fotógrafo freelancer R. Umar Abassi registrou a cena. Muitas vezes. Na versão dele, disparou o flash, freneticamente, na esperança de alertar o maquinista e fazê-lo parar o trem a tempo. Nem olhou as fotos, entregou o chip da memória na redação e só reapareceu dois dias depois para se defender das críticas.

“A verdade é que eu não conseguiria alcançar aquele homem”, argumenta. Nas imagens captadas pelo fotógrafo, as pessoas na estação de metrô também pareciam imobilizadas. Testemunhas contam que muitos gritaram, acenaram, a maioria sacou o celular e filmou.

A polícia usou as imagens para prender o assassino, um morador de rua, conhecido pelos comerciantes de Times Square, a quem ajudava a montar e desmontar barracas, em troca de US$ 10 a US$ 40. Todos viram o bate-boca dele com Suk Han e, momentos depois, o empurrão para a morte. “Foi tudo tão rápido”, repete o fotógrafo.

Tirar a foto pode ser quase um reflexo, acha Aypery Karabuda, diretora de imagem da maior agência do mundo, a Thomson Reuters. “Vender é outra história e a decisão de publicar merece uma reflexão”, diz.

O tratamento dado pelo “New York Post” à imagem não foi intempestivo. Levou em conta o impacto comercial e o apelo emocional da foto, publicada dois dias seguidos na capa do tabloide, com o mesmo título: “Este homem está prestes a morrer”. Reproduzida infinitamente em programas de televisão, mídias sociais e blogs, a primeira página do jornal foi quase unanimemente considerada de extremo mau gosto. Não tem sangue, mas é chocante a exploração da luta solitária do homem para escapar da morte, bem no centro de uma das cidades mais movimentadas do mundo. O venerando “New York Times” também foi acusado de ultrapassar as fronteiras do bom gosto há poucos meses por publicar a foto do embaixador dos EUA, Christopher Stevens, sendo carregado morto na Líbia. A imagem não tinha uma gota de sangue mas reproduzia a desproteção do americano que acabara de morrer, longe de casa, no meio de um ataque violento. Foi um choque nos EUA, passou sem despertar maior atenção no Brasil.

Jornalistas, especialmente fotógrafos, são acusados de indiferença diante do perigo e da miséria ao trabalharem em situações extremas, como guerras, tragédias naturais, atentados. Não é simples saber o momento de deixar a câmera ou o gravador de lado e tentar ajudar.

“Não tenho regras, só quem está vivendo o momento pode saber”, disse o jornalista Anderson Cooper, uma estrela da CNN, acostumado a ver a morte de perto no Oriente Médio, explicando-se para o fotógrafo que documentara o crime no metrô da Rua 49.

É um fantasma que assombra todo correspondente de guerra e certamente a maioria dos repórteres durante a cobertura de tragédias. Radhika Chalassi, uma freelancer cobrindo a guerra civil no Sudão, foi obrigada a fazer uma escolha dramática que relembra a cada nova cobertura.

“Até hoje, não sei se necessariamente fiz a coisa certa”. Em depoimento ao “Guardian”, ela conta que fora com um grupo de fotógrafos a um campo de refugiados e todos se depararam com umas crianças sobreviventes, sozinhas no meio de lugar nenhum. Queria levar os meninos no carro com ela, os colegas acharam que seria perigoso, optou por avisar a um funcionário da Cruz Vermelha. No dia seguinte um jornalista encontrou crianças no mesmo lugar, impossível saber se eram outras ou as mesmas.

Novas tecnologias criam novas fronteiras éticas. Numa era em que todos têm uma câmera na mão, novos horrores serão registrados em massa em câmeras de segurança ou celulares. O direito à informação é uma conquista, mas solidariedade, compaixão e emoção fazem o mundo melhor.

Fonte:  http://oglobo.globo.com/mundo/ainda-existem-herois-6986791

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