sexta-feira, 22 de agosto de 2014

"A imprensa não pode ser substituída por 140 caracteres"

Trecho do discurso de Catalina Botero, relatora da OEA, no décimo Congresso Brasileiro de Jornais
 
"(...)Os jornais, diferentemente de outros meios de comunicação, podem inquirir e contar histórias que requerem uma árdua investigação, submetida a rigorosos princípios e cuja publicação não está limitada ao brevíssimo espaço de outros formatos. Essas histórias, por seu rigor e sua densidade, não costumam ser soterradas pela quantidade imensa e às vezes caótica de informações que circula na internet. Nesse sentido, para dizer o mesmo de modo mais claro, em um mundo de grandes transformações nos processos comunicativos e de uma vertiginosa circulação de informações, a primeira página continua sendo “a primeira página”.
Essa primeira página que está aí, escrita, que não é atualizada a cada três minutos nem é consumida no breve período de uma manchete de meios audiovisuais. Essa primeira página que está na mesa da sala de jantar, na hora do café da manhã, na banca da esquina, no ônibus, na casa dos amigos ou nos escritórios oficiais. Em um mundo de velocidades nunca antes vistas, a primeira página teima em continuar aí. Escrita. Indelével.
E poucas coisas podem ter o mesmo impacto que ela tem sobre os funcionários públicos corruptos, sobre os políticos que se ligam ao crime, que abusam do seu poder, que traem os valores e os princípios democráticos.
Mas outra característica singular da imprensa escrita é que ela nos obriga a percorrer caminhos que outros formatos evitam, mas que são fundamentais se queremos realmente atuar como cidadãs ou cidadãos bem informados. Qualquer pessoa que queira chegar, por exemplo, à seção de “esportes” ou “moda” de um jornal, deve passar, ainda que de modo rápido e superficial, por manchetes de economia, cultura, guerra e paz; deve passar, ainda que rapidamente, pelas opiniões políticas similares ou divergentes das suas. Isso não acontece em outros meios, nos quais a informação pode ser severamente filtrada, segmentada, direcionada e selecionada.
Por isso, não posso concordar com quem acredita que a imprensa escrita pode ser substituída por mensagens de 140 caracteres. As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído de forma singular ao processo comunicativo, e têm inclusive propiciado novas formas de participação, de construção da esfera pública, de mobilização cidadã. Mas mesmo essas novas maneiras de exercer a cidadania e de ampliar a democracia requerem, em minha opinião, o trabalho lento, rigoroso e complexo do jornalismo profissional dos jornais. Em uma democracia, temos a necessidade do jornalismo profissional.
Nesse sentido, devo confessar que existe uma razão muito mais íntima, muito mais pessoal, para defender a imprensa livre dos ataques vociferantes de funcionários públicos autoritários ou corruptos, de mercados vorazes, de fanáticos violentos.
Peço desculpas por essa confissão em um fórum desta importância. A verdade mais íntima é que não suporto o autoritarismo e admiro até o fim as pessoas livres, o jornalismo independente, o pensamento crítico. Por essa razão, e porque creio que temos o direito de viver em uma democracia, não estou disposta tão facilmente a deixar que alguém tome de nós o prazer da leitura dos jornais. O direito de me enfurecer com informações ou ideias que vejo como absurdas ou injustas; de mudar de opinião se um colunista me convence de que eu estava equivocada; de me comover com uma crônica sobre a beleza que existe no mundo, e que foi captada em um texto que sinto o prazer de ler vagarosamente... E reler.
Não deixarei tão facilmente que me tomem esse prazer e me obriguem a ler o que os funcionários do Estado considerem correto. Quero continuar lendo os jornais que escolher e quero que haja mais opções, e não menos. E quero poder ter acesso a eles em liberdade e desfrutá-los pela manhã, se tiver sorte, acompanhados de um bom café colombiano... ou brasileiro, recém-moído.
Por todas essas razões, dediquei cada dia desses seis anos de minha vida à defesa do jornalismo livre. Desse jornalismo honesto e valente que milhões de leitores, assim como eu, esperam de um jornal, como um milagre em letras de forma. Dessa literatura única e necessária, fruto da inteligência, da sensibilidade e da tenacidade de pessoas que assim como todas e todos vocês, escolheram o ofício que García Márquez denominou “o melhor ofício do mundo”.

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