segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Joel Silveira foi melhor que o repórter americano Gay Talese (e 20 anos antes)

RUY CASTRO - COLUNISTA DA FOLHA - 27/01/2013

Fico imaginando as matérias em volta, como deviam parecer rebarbativas

Em 1965, o repórter americano Gay Talese queria entrevistar Frank Sinatra. Como Sinatra o enrolasse e não lhe desse a entrevista, Talese ouviu gente ao redor do cantor, observou-o sem ser observado e produziu seu texto, "Frank Sinatra Está Resfriado", publicado em 1966 na revista "Esquire" e, depois, no livro "Fama & Anonimato". Texto esse até hoje adotado e reverenciado pelas escolas de comunicação como exemplo de sagacidade do repórter e de jornalismo criativo.

Em 1945, o repórter sergipano Joel Silveira, radicado no Rio, foi destacado por Assis Chateaubriand para cobrir o "casamento do século", de Filly, filha do conde Francisco Matarazzo, com o jovem da sociedade João Lage, em São Paulo. Sem convite, Joel não pôde assistir ao casamento -na verdade, uma maratona de recepções, bailes, almoços, chás, cerimônias e beija-mãos. Então, ouviu pessoas que presenciaram tudo e escreveu a reportagem "A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista", publicada em "O Jornal" e, em 2003, num livro com esse título.

Ou seja, Joel fez a mesma coisa que Talese, só que 20 anos antes, sendo que a diferença entre seu texto e o de Talese é que o de Joel é melhor. Mas não se credite a ele o macete da "entrevista sem sujeito". Com más ou boas intenções, esta era praticada desde que o jornalismo deixou de ser apenas artigo opinativo e incorporou a prática da reportagem -o que, nos Estados Unidos, já era comum em meados do século 19 e, no Brasil, levamos quase um século para adotar. No que começamos, porém, já tínhamos Joel Silveira.

Ainda melhor era a sua hilariante "Grã-finos em São Paulo", publicada na revista "Diretrizes", em 1943, e até hoje impressionante pela escrita fina, sem conversa fiada e com os adjetivos cirúrgicos, de grande precisão. Fico imaginando as matérias em volta, como deviam parecer redundantes e rebarbativas. E, a provar que Joel não precisava do conforto de uma redação para escrever, é só ver seus despachos do front na Segunda Guerra -pessoais, diretos, elaborados.

Nem tudo que ele escreveu durante 60 anos aconteceu exatamente daquela maneira. Pois devia ter acontecido.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/90679-joel-silveira-foi-melhor-que-o-reporter-americano-gay-talese-e-20-anos-antes.shtml

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