Gabriel García Márquez nunca abandonou o ofício e via ligações entre a ficção e  o jornalismo
RIO - “Perguntaram a uma universidade colombiana quais são as provas de  habilidades exigidas a quem deseja estudar jornalismo e a resposta foi  categórica: ‘jornalistas não são artistas’. Estas reflexões, ao contrário,  baseiam-se precisamente na certeza de que o jornalismo escrito é um gênero  literário”. 
A frase acima abre o discurso “O melhor trabalho do mundo”, proferido por  Gabriel García Márquez na abertura da assembleia da Sociedade Interamericana de  Imprensa (SIP), realizada em Los Angeles em outubro de 1996, e resume a relação  de Gabo com a grande paixão que nunca abandonou.
Na oportunidade, ele destacou dois dos pilares fundamentais para o exercício  da profissão: a certeza de que a investigação não é uma especialidade do ofício,  já que todo o jornalismo deve ser investigativo por definição, e a consciência  de que a ética é uma companheira inseparável.
García Márquez pisou pela primeira vez numa redação aos 22 anos, quando ainda  era aluno de Direito, em Bogotá. Nunca terminaria o curso apesar do desejo dos  pais. No “El espectador”, tornou-se o primeiro crítico de cinema do jornalismo  colombiano e se notabilizou por suas crônicas e longas reportagens.
Uma delas, “Relato de um náufrago”, desagradou ao governo do general Rojas  Pinillas e Gabo foi enviado como correspondente para a Europa. Na volta, viveu  em Caracas, Havana e Nova York, onde assumiu a direção da agência de notícias  cubana Prensa Latina. Contudo, após sofrer perseguições do governo americano,  mudou-se para a Cidade do México, onde viveu até sua morte.
Em uma entrevista para a revista “The Paris Review”, em 1977, García Márquez  foi questionado sobre sua volta ao jornalismo depois de ser consagrado como  escritor. Na resposta, ele afirma que sempre esteve convencido de que “minha  verdadeira profissão é a de jornalista” a aponta de que forma as duas atividades  se influenciaram mutuamente.
“A ficção ajudou meu jornalismo pois trouxe para ele valor literário.  Jornalismo ajudou minha ficção porque me manteve numa relação muito próxima com  a realidade".
O Gabo jornalista detestava gravadores (“tenho a impressão de que muitos  acreditam que o gravador pensa”, disse certa vez) e era um obcecado pela  exatidão das informações. Nelson Fredy, jornalista colombiano, relembra que, em  1999, ajudou o amigo a terminar uma de suas crônicas mais famosas, “El enigma de  los dos Chávez”, publicada pela “Revista Cambio”. O escritor pediu que  descobrisse até a cor do uniforme do paraquedista venezuelano numa cerimônia  militar.
Crítico da formação oferecida pelas escolas de jornalismo, cujos “alunos saem  desligados da realidade e de seus problemas fundamentais”, García Márquez criou  em outubro de 1994 a Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI) em  Cartagena, na Colômbia. Sempre preocupado com a qualidade do jornalismo, a FNPI  tem como objetivo incentivar vocações, a ética e a boa narrativa.
Presidida pelo próprio Gabo e dirigida por Jaime Abello Banfi desde o início,  a organização já promoveu centenas de cursos, palestras e oficinas em toda  América Latina com nomes consagrados do jornalismo, como Tomás Eloy Martínez e  Jon Lee Anderson.
No fim de 2012, a FNPI publicou o livro “Gabo, periodista”, uma reunião dos  seus melhores trabalhos jornalístico. Sobre a obra, o amigo e jornalista  argentino Alberto Salcedo Ramos escreveu:
“García Márquez aprendeu muito rápido que as informações básicas não contam  toda a verdade: é necessário recriar a atmosfera, explorar a psique dos  personagens, buscar o detalhe”. Em suma, ir além do óbvio, onde Gabo sempre  foi.

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