quarta-feira, 9 de abril de 2014

"Você é o que sabe sobre o que come", prega 'detetive dos rótulos'

Por Marina Cohen - O Globo/Nutrição - 07/04/2014
 
Jornalista faz sucesso na internet ao desvendar ingredientes de alimentos industrializados e revelar ‘mentiras’ dos fabricantes
 
RIO - Corante caramelo 4, benzoato de sódio, gordura vegetal hidrogenada, propionato de cálcio, sorbato de potássio, ácido fosfórico, emulsificante, espessante... A maior parte das pessoas não sabe o que significam esses nomes esquisitos. Mas eles estão presentes no nosso dia a dia, nas listas de ingredientes de produtos que comemos ou bebemos - pães, biscoitos, refrigerantes, sorvetes etc. Para ajudar o consumidor a entender o que ingere, a jornalista Francine Lima criou o canal “Do campo à mesa”, um sucesso no YouTube. Em vídeos curtos de, em média, cinco minutos, a paulista de 37 anos faz experimentos e testes para desvendar, por exemplo, quantas laranjas existem dentro de uma caixa de suco industrializado ou quantas colheres de açúcar uma barra de cereal contém. Um verdadeiro trabalho de investigação.- Escolho uma categoria de produto, como suco de frutas ou achocolatado, e vou ao supermercado analisar o que trazem as embalagens de diversas marcas. Depois, começo a identificar os ingredientes que podem ser um problema, como aditivos, conservantes e corantes. Então corro atrás de documentos da indústria de alimentos para desvendar para que serve e como é feito cada ingrediente - explica Francine, que faz tudo sozinha, da pesquisa à gravação das “aulas” eletrônicas. - Meu esporte favorito é revelar as mentiras que os rótulos dos alimentos contam.Há seis meses, por exemplo, ela demonstrou as baixas quantidades de farinha integral em pães assim denominados. O problema é tão generalizado que a Justiça do Rio determinou, em fevereiro passado, que duas das principais marcas do mercado deixem claro nas embalagens o quão integrais são realmente seus produtos.Parafraseando o mais famoso slogan cunhado pela nutricionista escocesa Gillian McKeith, Francine criou seu próprio bordão: “Você é o que sabe sobre o que come”. A lógica é simples: ignorar o que se ingere é como tomar veneno. Em alguns casos, literalmente. Ela lembra, por exemplo, que o benzoato de sódio, um conservante bactericida e fungicida amplamente usado na indústria, ao ser misturado à vitamina C pode resultar em benzeno, um solvente que, mesmo consumido em doses mínimas, é perigosíssimo e cancerígeno.- A informação mais importante na embalagem de um produto não é a tabela nutricional, mas a lista de ingredientes. E ela vem sempre em ordem decrescente de quantidade. Ou seja: se os primeiro itens da lista não forem bons para você, não compre - ensina a detetive dos rótulos.Foi a comida da mãe que inspirou o interesse de Francine pela nutrição. Criada em São José dos Campos, no Vale do Paraíba paulista, ela se mudou para a capital do estado no fim da adolescência para cursar jornalismo na Universidade de São Paulo. Morando sozinha e sem grana, só comia macarrão instantâneo, salsicha e ovo frito. Não foi difícil observar que seus colegas de faculdade se alimentavam tão mal quanto ela. O cenário avassalador virou tema do trabalho de conclusão da sua graduação, “Comendo de mentirinha”.- Muita gente me dizia que almoçava “uma coisinha para tirar a fome”, mas, para mim, fazer uma refeição era comer o que minha mãe tinha ensinado - lembra Francine, que, depois disso, aprendeu a cozinhar e, hoje, faz mestrado em Nutrição em Saúde Pública na USP, com uma análise do discurso da rotulagem de alimentos.Já com uma carreira sólida no jornalismo de saúde, Francine teve a ideia de criar o canal de vídeos, em julho passado. O vídeo inaugural, que questiona quantos morangos existem dentro de um iogurte com sabor da fruta, acumulou mais de 90 mil visualizações. Mas o episódio com maior audiência até hoje, quase 100 mil acessos, comprova algo de que muita gente já desconfia: que os refrigerantes são constituídos quase tão-só por água com gás, (muito) açúcar e flavorizantes potencialmente perigosos.- Achava que o meu assunto só atraía um grupo pequeno de consumidores que compram produtos orgânicos. Mas fiquei feliz por ver que tem muita gente interessada em saber o que está comendo - afirma, animada.
 
Fonte: Jornal O Globo, 7/4/2014, pág. 23

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